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O Dilema de Eduardo Bolsonaro e o Estado de Coisas Inconstitucional no Brasil

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Novamente, preciso começar esse texto com uma advertência: não sou bolsonarista e tenho diversas críticas ao ex-Presidente e seus filhos. Dito isso, os recentes acontecimentos envolvendo Eduardo Bolsonaro demonstram como o cenário político e institucional brasileiro se degradou, transformando-se em um tabuleiro de xadrez maquiavélico onde decisões estratégicas são forçadas por circunstâncias cuidadosamente manipuladas.

Tudo começou quando dois deputados do PT solicitaram ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a retenção do passaporte de Eduardo Bolsonaro, alegando que ele estaria conspirando contra o Brasil ao dialogar com políticos americanos críticos ao governo Lula e ao próprio STF. Imediatamente, Moraes encaminhou o pedido à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que esta se manifestasse sobre a necessidade da medida.

A PGR, no entanto, demorou a responder, criando um período de incerteza e tensão. Durante esse tempo, especulou-se sobre a possibilidade de Eduardo sofrer sanções mais severas, como já havia ocorrido com outros opositores. Diante desse cenário e da falta de previsibilidade institucional, Eduardo optou por tirar licença de seu mandato e permanecer nos Estados Unidos. Logo após essa decisão, veio a resposta da PGR, que, ao se manifestar, negou a necessidade da medida, afirmando que não havia justificativa legal para a apreensão do passaporte do parlamentar. Ora, se era algo tão simples, por que não se fez antes? Por que aguardar o comunicado público do deputado sobre sua licença?

No mesmo dia em que saiu o parecer da PGR — que, diga-se, não trouxe nada de novo —, Moraes decidiu arquivar a notícia-crime e rejeitar os pedidos de medidas cautelares contra Eduardo Bolsonaro. No parecer, a PGR argumentou que as alegações do PT não apresentavam indícios mínimos de crime, destacando que o simples fato de Eduardo manter relações com autoridades estrangeiras não constitui, por si só, qualquer infração penal. Segundo o procurador-geral Paulo Gonet, as ações do deputado nos EUA estavam plenamente enquadradas no exercício legítimo da atividade parlamentar. Tudo isso, a rigor, podia ter sido analisado pelo próprio ministro, independentemente de parecer, dado o evidente absurdo do pedido feito pelos petistas.

O fato é que a decisão judicial chegou tarde demais para reverter os efeitos políticos do episódio. Com a licença do mandato, Eduardo perdeu a oportunidade de assumir a presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, um posto estratégico na conjuntura política atual. Assim, ainda que a medida cautelar não tenha sido concretizada, a incerteza prolongada sobre sua possível aplicação foi suficiente para influenciar a trajetória política do parlamentar.

A reação ao anúncio de sua saída expôs, mais uma vez, a seletividade na narrativa política. Enquanto aliados afirmavam que Eduardo era um “exilado político” diante da perseguição institucional, governistas o chamaram de “covarde” e sugeriram que ele “fugiu do país” para evitar processos. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, declarou que a licença do deputado era uma “confissão de culpa”, como se a inocência dependesse da permanência dentro do território nacional, ignorando o contexto de perseguições recentes a opositores. O deputado Guilherme Boulos foi além e relembrou falas antigas de Eduardo, tentando transformá-las em justificativa para a retaliação.

A politização do caso ficou ainda mais evidente com as declarações do deputado Rogério Correia (PT), que afirmou publicamente que, caso Eduardo voltasse ao Brasil, Alexandre de Moraes, “a pedido nosso”, confiscaria seu passaporte, impedindo seu retorno aos Estados Unidos. Essa fala escancara a instrumentalização do Judiciário para fins políticos, reafirmando as razões para a decisão do deputado Bolsonaro. Não por acaso, o tom comemorativo no post de Lindbergh Farias ao anunciar que Eduardo “não será presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara” confirma que esse era o verdadeiro objetivo da pressão exercida sobre ele. O próprio deputado petista reconhece que o afastamento de Eduardo foi um triunfo político para o governo e seus aliados, o que reforça a tese de que sua saída foi resultado de um movimento estratégico de coerção.

No vídeo em que anunciou sua licença, Eduardo Bolsonaro classificou Moraes e a Polícia Federal como “Gestapo”, alegando que sua decisão de deixar o país se deve ao ambiente de insegurança jurídica e perseguição institucional que se instalou no Brasil. Ele ainda declarou que pretende buscar sanções internacionais contra “violadores de direitos humanos”, um claro indicativo de que o caso pode ter repercussões fora do país. O episódio já provoca reações no exterior, especialmente entre políticos americanos conservadores, reforçando a percepção de que a liberdade de expressão e a atuação política no Brasil não são mais garantidas pelo Estado de Direito, mas toleradas conforme a conveniência dos detentores do poder.

O caso de Eduardo Bolsonaro não é isolado, mas sintomático de um Estado de Coisas Inconstitucional que se instalou no Brasil. A insegurança jurídica e a instrumentalização das instituições criam um ambiente em que decisões políticas são forçadas não pelo mérito ou pelo debate democrático, mas pelo medo de possíveis retaliações judiciais. Esse fenômeno gera o que se poderia chamar de um “equilíbrio de medo”, em que a observação das sanções aplicadas contra opositores serve para condicionar o comportamento de outros atores políticos. Se um deputado federal recua diante da ameaça de perseguição judicial, outros parlamentares inevitavelmente recalculam seus próprios riscos, reforçando um padrão de autocensura e retração estratégica.

Sob a ótica da Teoria dos Jogos, Eduardo Bolsonaro enfrentou um dilema clássico. Se optasse por confrontar o sistema e permanecer no Brasil, poderia ter seu passaporte apreendido e se tornar alvo de medidas mais severas. Se recuasse, perderia espaço político, mas preservaria sua liberdade e evitaria um confronto direto. Sua escolha não foi um ato de rendição, mas uma decisão estratégica diante de um tabuleiro montado para constrangê-lo e neutralizá-lo. Trata-se de um jogo de retaliação assimétrica, em que a ameaça crível de uma sanção jurídica foi suficiente para moldar sua decisão, mesmo que a sanção não tenha sido efetivamente aplicada. Esse tipo de jogo se sustenta na incerteza e na manipulação do risco, características típicas de estratégias dissuasórias.

O governo e o STF parecem atuar com um modelo de informação assimétrica, onde as regras do jogo não são claras e os jogadores enxergam as decisões como manipuladas para criar um ambiente de imprevisibilidade. Essa incerteza maximiza o efeito dissuasório sem a necessidade de uma ação concreta imediata. Eduardo Bolsonaro teve que avaliar as probabilidades de uma retaliação direta, os custos políticos de um embate frontal e o impacto sobre sua base de apoio. Ao final, optou por um movimento que pode ser interpretado sob duas perspectivas estratégicas conhecidas na Teoria dos Jogos: Tit-for-Tat, onde a melhor resposta é a reciprocidade moderada dependendo das ações do oponente, e Pavlov, onde as escolhas são ajustadas conforme os resultados anteriores. Observando o destino de outros opositores, Eduardo aprendeu que o custo de um confronto direto poderia ser elevado demais, razão pela qual preferiu ajustar sua tática e evitar o embate imediato.

Se hoje um parlamentar precisa sair do país para se sentir seguro, o que isso diz sobre o futuro das liberdades em nosso país? Esse caso ilustra um ambiente onde a liberdade de expressão e a atuação política não são mais protegidas pelo Estado de Direito, mas sim toleradas de acordo com a conveniência dos detentores do poder.

Nosso país precisa resgatar suas instituições e restaurar os princípios fundamentais do Estado de Direito. A ordem constitucional só será preservada se o Direito voltar a se fundamentar nos pilares que garantem a liberdade e limitam o poder estatal. Esses princípios essenciais devem ser reafirmados: (1) O Estado existe para preservar a liberdade; (2) A separação de poderes é essencial para a Constituição Federal; e (3) A função do Judiciário é dizer o que a lei é, e não o que ela deveria ser. Sem esse alicerce, a insegurança institucional se tornará a regra, e não a exceção. A degradação das instituições brasileiras lembra as advertências do livro “Por que as Nações Fracassam”, de Daron Acemoglu e James A. Robinson, que demonstram como países que permitem que suas instituições se corrompam acabam por sucumbir ao autoritarismo, à estagnação e ao declínio. O Brasil precisa decidir se quer ser um país onde a lei é um instrumento de justiça ou uma ferramenta de perseguição política.

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