O Supremo Tribunal Federal retoma nesta quarta-feira (23) o julgamento que pode autorizar o acesso da Justiça a dados de usuários que fizeram buscas em plataformas como o Google — mesmo sem suspeita individualizada. O ministro André Mendonça, que havia pedido vista, deve apresentar uma alternativa à tese de quebra de sigilo em massa.
O caso que levou o tema ao plenário é o das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em 2018. A discussão gira em torno dos limites legais para obrigar empresas de tecnologia a entregarem dados de usuários com base em palavras-chave pesquisadas, atingindo inclusive pessoas sem vínculo com o crime.
O julgamento já tem três votos: Rosa Weber, hoje aposentada, foi contra a prática. Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin defenderam a autorização das chamadas *keyword warrants* — ordens judiciais que acessam registros de busca com base em termos específicos, como “Marielle Franco” e “Casa das Pretas”.
Weber apontou violação à privacidade e à proteção de dados. “Não é admissível quebrar o sigilo telemático de dados de pessoas aleatórias sobre as quais não recaiam indícios de cometimento de ilícitos penais, sob pena de legitimar devassa indiscriminada à privacidade de terceiros”, afirmou a ministra em seu voto, de setembro de 2023.
Moraes defendeu o uso da ferramenta, desde que haja “fundados indícios do crime, justificativa da utilidade dos registros e delimitação de período”. Para ele, isso não representaria violação de direitos, pois os dados não são divulgados publicamente. Zanin acompanhou, mas pediu ajuste: que só haja acesso quando houver “suspeita fundamentada contra pessoa determinável”.
Mendonça, nomeado por Jair Bolsonaro, deve apresentar um voto intermediário, sem endossar nem o veto absoluto nem a autorização ampla defendida por Moraes. O ministro considera o tema sensível e já adiantou que seu voto será técnico e extenso.
A licitude desse tipo de varredura é questionada por empresas e por especialistas em direitos digitais. O Google argumenta que buscas como “vereadora Marielle” são genéricas e podem ter sido feitas por qualquer cidadão, por motivos legítimos. A entrega de dados nesse contexto, afirma a empresa, fere direitos de quem sequer está sendo investigado.
No caso concreto, o Google foi obrigado a fornecer IPs e identificadores de dispositivos que acessaram os termos relacionados à vereadora em um intervalo de 96 horas antes do crime. A ordem judicial teve respaldo nas instâncias inferiores e no STJ.
O Superior Tribunal de Justiça alegou que a restrição a direitos fundamentais seria proporcional, já que a investigação envolvia um homicídio de grande repercussão. Também considerou que os dados seriam descartados se não houvesse conexão com o crime.