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O que Fux admitiu ao país é mais grave que qualquer disputa política

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O Código Penal diz que é circunstância sempre atenuante da imposição da pena quando o crime é cometido sob influência de violenta emoção. O mesmo entendimento deve ser aplicado a crimes multitudinários, como os ocorridos em 8 de janeiro.

Foi exatamente o que ocorreu com Débora Rodrigues, que admitiu em carta e vídeo ter agido no “calor do momento”. Como a maioria dos manifestantes condenados pelo STF, a cabeleireira não tinha qualquer registro anterior em sua ficha criminal, nem mesmo filiação partidária.

Nada disso, porém, tem sido levado em conta pelo Supremo até agora.

Como registrou em brilhante artigo o professor Rodrigo Chemim, Alexandre de Moraes classificou a conduta social de Débora como negativa, com base na presente acusação de associação criminosa para abolir o Estado Democrático de Direito e não em seu histórico de boa cidadã.

O mesmo padrão vem sendo adotado para a balconista, o entregador, o ambulante, o pipoqueiro, a manicure, para tias e tios do zap, muitos deles avós; para jovens que ainda têm a vida toda pela frente. É tanta injustiça que Luiz Fux já não consegue mais dormir em paz.

Ontem, mesmo acolhendo o voto de Moraes pela abertura da ação penal contra Jair Bolsonaro e seus aliados, o ministro avisou que revisará a dosimetria da pena de Débora. Disse ter feito um “exercício de humildade judicial”, pois tem se deparado com “penas exacerbadas”.

“Nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro. Fui ao meu ex-gabinete vi mesa queimada, papéis queimados”, disse ele. Foi a frase mais sincera e importante de um ministro do Supremo até agora.

Julgar sob violenta emoção pode também ser um crime, pois a sede de vingança, o trauma psicológico e o sentimento de ódio que acomete qualquer vítima turva o discernimento do juiz e retira-lhe a venda da Justiça.

Não se trata mais de uma discussão sobre a competência jurisdicional do STF sob o caso do 8 de janeiro, mas da absoluta impossibilidade de termos um julgado neutro, imparcial. Todos ali, em maior ou menor grau, carregam – e carregarão para sempre – em suas memórias as imagens de destruição de que falou o ministro Fux.

Julgar sem o devido distanciamento emocional e psicológico transforma o princípio da justiça em justiçamento, em vingança, acarretando, não em penas justas de reparação, mas em novos traumas, sejam nos filhos de Débora, como nos alerta o psiquiatra Augusto Cury; ou nas filhas de Clezão; seja na sociedade em geral, numa ampla parcela dela.

Se a democracia, segundo o próprio Supremo, segue inabalada, se um funcionário do STF limpou a estátua no dia seguinte, se os gabinetes dos ministros foram todos reformados, se as obras de arte foram detalhadamente recuperadas, avançar impiedosamente sobre cidadãos comuns, que atuaram sob forte emoção, que se arrependem do que fizeram e que só desejam retornar às suas vidas pacatas, é vandalizar essa mesma Justiça e a própria democracia.

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