No primeiro dia de julgamento da denúncia contra integrantes do chamado “núcleo 2” da tentativa de golpe de Estado investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa de Filipe Martins, ex-assessor internacional do ex-presidente Jair Bolsonaro, adotou tom veemente para contestar a peça acusatória apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Durante a sustentação oral, os advogados Sebastião Coelho da Silva e Marcelo Almeida Sant’Anna rejeitaram qualquer envolvimento de Martins nos atos preparatórios para um suposto golpe e denunciaram supostas irregularidades na obtenção e compartilhamento de provas pela Polícia Federal.
O advogado Sebastião Coelho da Silva iniciou sua fala invocando referências religiosas e defendeu a legalidade das idas de Martins ao Palácio da Alvorada após as eleições. “Todos sabiam que Filipe era assessor internacional do presidente da República. A partir de 30 de outubro, o presidente passou a despachar da Alvorada. Logo, ele estava no seu local de trabalho”, sustentou.
Coelho também rebateu os principais pontos da denúncia. Segundo ele, os documentos que fundamentam a acusação – como a chamada minuta de golpe – não têm qualquer vínculo direto com Filipe Martins. “Não há uma única mensagem entre Mauro Cid e Filipe Martins. Não há e-mails, WhatsApps, nada. Mesmo com os dois celulares de Mauro Cid entregues e analisados, não há sequer uma citação direta a Filipe”, afirmou.
O advogado também ressaltou que Martins foi apontado como leitor de um suposto decreto golpista apenas com base em depoimento do general Freire Gomes, que utilizou a expressão “possivelmente” ao mencionar sua presença em uma reunião. “Filipe não é advogado, mas foi incluído em um núcleo jurídico onde outros não foram denunciados. Isso evidencia a seletividade da acusação.”
O segundo defensor, Marcelo Almeida Sant’Anna, concentrou-se em apontar falhas processuais, com ênfase na ausência de acesso da defesa aos dados de geolocalização utilizados pela acusação. Segundo Sant’Anna, esses dados foram obtidos legalmente pela Polícia Federal com autorização do ministro Luiz Fux, mas não foram compartilhados com a defesa de Filipe Martins.
“O Ministério Público acessou, leu, se baseou nesses dados para construir a narrativa das cinco reuniões e não falou uma vírgula sobre Filipe na denúncia. Esses dados são fundamentais para provar que Filipe sequer estava presente nas datas indicadas”, afirmou. O advogado pediu que o STF reconheça a quebra de paridade de armas no processo e rejeite a denúncia.
Sant’Anna ainda citou um dos fundamentos do direito norte-americano, o princípio do disclosure — obrigação da acusação de compartilhar integralmente as provas com a defesa —, como parâmetro a ser seguido. “Como reconstruir os fatos se não podemos acessar a prova? Isso precisa ser corrigido.”
Com forte apelo emocional, a sustentação de Sebastião Coelho foi marcada por menções religiosas e à simbologia da Páscoa. “Jesus sofreu uma crucificação. Filipe está sofrendo desde o dia 8 de fevereiro. Esse calvário precisa terminar hoje”, disse. Ao final, pediu que, caso a denúncia fosse recebida, fossem ao menos revogadas as medidas cautelares que restringem a liberdade de Martins.
A denúncia contra Filipe Martins integra a ofensiva do STF para investigar o uso da máquina pública na tentativa de reverter o resultado das eleições de 2022, que levaram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de volta à Presidência. Martins é acusado de assessorar Bolsonaro na elaboração de medidas que poderiam instaurar estado de sítio e reverter o pleito eleitoral.
Além dele, também são réus nesta fase Silvinei Vasques (ex-diretor da PRF), Marília Ferreira de Alencar (delegada da PF), Fernando de Sousa Oliveira (ex-secretário do DF), Marcelo Câmara (coronel do Exército) e Mário Fernandes (general da reserva). A decisão do STF nesta fase será apenas sobre o recebimento ou não da denúncia – ou seja, se há elementos mínimos para abrir ação penal.
As sessões continuam nesta terça-feira e seguem até quarta-feira (23). Caso a denúncia seja recebida, os acusados se tornarão réus formais e responderão às acusações em processo criminal.