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Congresso esconde R$ 10 bi em emendas genéricas

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Cobrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a dar mais transparência às emendas parlamentares, o Congresso concentrou um quinto dos recursos previstos neste ano em ações genéricas, que não detalham como a verba será aplicada. Levantamento do O Globo aponta R$ 9,7 bilhões destinados a rubricas como “fomento à agricultura” e “apoio a projetos de infraestrutura turística”, que abrem brechas para uso político dos recursos.

As verbas são liberadas apenas após acordos entre parlamentares, prefeituras e governos estaduais. Na prática, funcionam como um caixa paralelo de livre uso dos deputados e senadores. Especialistas apontam que o modelo dificulta o rastreio dos recursos por órgãos de controle.

Os R$ 9,7 bilhões estão concentrados em seis das 275 ações previstas no Orçamento de 2025. Entre os itens estão: “apoio à política nacional de desenvolvimento urbano”, “atividades de esporte e lazer”, e “políticas de segurança pública”. Só a rubrica “apoio a projetos de desenvolvimento sustentável local integrado”, vinculada ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, recebeu R\$ 3,65 bilhões. A pasta é comandada por Waldez Góes, indicado ao cargo pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Essa ação, que prevê desde pavimentação de ruas até construção de abatedouros e compra de tratores, concentra 44% de todo o orçamento do ministério. Além das emendas, há R\$ 1,1 bilhão da própria pasta.

O senador Weverton Rocha (PDT-MA) foi o que mais destinou verba a essa rubrica: R\$ 23 milhões para obras e compra de equipamentos no Maranhão. “Na hora de se tomar a decisão (sobre como o recurso será gasto) é que o deputado ou senador manda um ofício com sua opinião formada. Não vejo problema nenhum, pelo contrário, dá mais condições de atender a demanda de acordo com a realidade de cada município”, disse. Esses ofícios, no entanto, nem sempre são públicos — o destino do dinheiro só é revelado após a execução.

Nos últimos anos, o Congresso passou a priorizar ações com descrição ampla. Em 2016, parlamentares destinaram R\$ 1 bilhão (valores corrigidos) a essas ações. Em 2025, o montante saltou quase dez vezes.

“O número de emendas caiu porque o parlamentar agora só define o uso do recurso no momento da execução. Em vez de fragmentar, ele envia uma emenda ampla e de valor alto”, explicou Hélio Tollini, especialista em Orçamento. Segundo ele, a prática permite que verbas com forte apelo político, como as destinadas à pavimentação, sejam usadas por diversos ministérios, inclusive o do Turismo e o da Defesa.

Um exemplo é a rubrica “apoio a projetos de infraestrutura turística”, que recebeu R\$ 1,3 bilhão — R\$ 1 bilhão via emendas. Quase toda a verba saiu de apenas duas propostas: R\$ 500 milhões da Comissão de Turismo da Câmara e R\$ 400 milhões da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado. A aplicação será definida depois, conforme ofícios enviados por parlamentares.

“Isso compromete a qualidade do gasto público: se praticamente todo o orçamento de um ministério se concentra em uma única ação orçamentária, ela perde o sentido de existir. O ideal seria que houvesse um mínimo de detalhamento”, afirmou Marina Atoji, da Transparência Brasil. Segundo ela, a falta de clareza prejudica o planejamento e impede o governo de acompanhar onde e como os recursos serão usados.

Além disso, estudo da consultoria da Câmara, solicitado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP), aponta que o Congresso tem reduzido o investimento e ampliado os gastos com custeio da máquina pública. Em 2023, 95% das emendas foram para investimentos; em 2024, esse índice caiu para 85%.

Do total das emendas de bancada estadual, 57% foram para custeio. O estudo também identificou uma migração de emendas coletivas para ações genéricas, que só são detalhadas após liberação.

“Existe a justificativa de que são necessárias obras estruturantes, como estradas. Mas, analisando o histórico, vê-se que pouco é feito nesse sentido. Esse mecanismo é utilizado, tanto em emendas de comissão quanto de bancada, para viabilizar depois as chamadas emendas individuais”, disse Ventura.

O STF tem pressionado o Congresso por mais transparência na destinação de emendas e maior alinhamento com projetos prioritários. Há dez dias, o ministro Flávio Dino determinou que Câmara e Senado informem como pretendem identificar os autores de emendas de comissão e bancada. Ele também pediu à AGU que explique como será usado o Cadastro Integrado de Projetos de Investimento, ferramenta criada para verificar se os recursos estão de fato sendo aplicados em obras estruturantes.

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