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O ‘PL da Justiça’ e a porta dos fundos do Supremo

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A imprensa festiva adotou o nome de ‘anistia alternativa’ para batizar o PL apresentado pelo senador Alessandro Vieira e que está ‘sob análise’ de Davi Alcolumbre. É um estratagema retórico para tentar deixar o texto mais palatável, para ficar bem na foto. Não há nada de anistia ali, muito menos de alternativo.

Com as vênias de praxe a Vieira, o texto me parece mais uma saída desonrosa para os próprios ministros do Supremo que, em seu ativismo político, conduziram o país a um beco institucional, submetendo milhares de pessoas a julgamentos sumários, calando críticos e segregando milhões de eleitores a um gueto ideológico.

Explico: o PL propõe a absorção do crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito pelo de golpe de Estado, quando associados. A ideia é, segundo justificativa do próprio Vieira, obter a redução das penas dos envolvidos no 8 de janeiro, a partir da aplicação do princípio da consunção.

Ora bolas, o direito penal já acolhe essa doutrina, prevendo a aplicação de apenas uma norma penal quando o crime menos grave é meio necessário ou fase normal para a realização do crime mais grave. Alexandre de Moraes e seus colegas sabem disso!

Na condenação dos três primeiros presos do 8 de janeiro, André Mendonça e Luís Roberto Barroso usaram justamente esse argumento, alegando dupla punição (bis in idem) para divergir de Moraes, mas foram voto vencido e recuaram no debate público.

O projeto de Vieira também prevê criar “formas privilegiadas em ambos os crimes” para diferenciar aqueles que atuaram “sob influência de multidão em tumulto” dos que participaram de atividades de organização, como planejamento e financiamento.

“Em outras palavras, muitas pessoas, tal como aconteceu recentemente na história do Brasil, acabam sendo estimuladas a agir da maneira descrita pelos artigos já mencionados, porque estão vendo centenas de outras pessoas fazerem o mesmo, sendo influenciadas por um verdadeiro tumulto”, alega o senador.

Mamma mia! O Código Penal já considera crimes multitudinários como circunstância atenuante, desde que a pessoa não tenha induzido tumulto. Ela deve ser aplicada quando não for possível a individualização da conduta. Moraes e seus camaradas, por outro lado, estão aplicando o entendimento de associação criminosa a uma multidão!!!

O problema, portanto, não é a falta de leis ou lacunas naquelas já existentes. O PL DA JUSTIÇA, como ele batizou, sequer inova na doutrina, apenas serve para mascarar os absurdos jurídicos cometidos pelos ministros do Supremo; gambiarra legal para a revisão de penas que nunca deveriam ter sido aplicadas.

E se distancia conceitualmente de qualquer anistia pois não contém os princípios básicos para a pacificação política, que, no caso do STF, se resumiriam à humildade judicial e generosidade institucional, como sinalizou Luiz Fux.

Em 1979, o general João Figueiredo, último presidente militar, cunhou a magnânima frase “Lugar de brasileiro é no Brasil”, num óbvio contraponto ao slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”, preferido do general dos anos de chumbo Emílio Garrastazu Médici.

Aquela frase demonstrou a disposição real de perdão e unificação, foi um abrir de braços, um estender de mãos. Por aqui, nesta quadratura, o que ressoa é a sentença do presidente do Supremo a dizer que o 8 de janeiro é “imperdoável”.

Contemporâneo de Figueiredo, o senador e jornalista Henrique de la Roque comparou a anistia a um “bálsamo que cicatriza feridas”. Vejo o ‘PL da Justiça’, ou ‘PL do Supremo’, como uma borracha dura a tentar apagar garranchos de nanquim na fina folha da democracia.

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