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Juristas criticam atitude de Moraes ao exibir vídeos no julgamento de Bolsonaro

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Diversos juristas criticaram a conduta do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes durante o julgamento sobre o recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados por suposta tentativa de golpe.

Durante leitura de seu voto na quarta-feira (26), o magistrado decidiu mostrar um compilado de vídeos dos atos de 8 de Janeiro, gravações que não estavam no processo. Ele justificou a exibição como “fato notório”.

Ao comentar sobre a atitude de Moraes ao site UOL, o criminalista Sérgio Rosenthal afirmou que o ministro do Supremo “não poderia ter exibido esses vídeos a não ser que eles tivessem sido juntados previamente aos autos por alguma das partes”.

Rosenthal enfatizou que, no Brasil, está em vigor o sistema acusatório, ou seja, “cabe ao Ministério Público produzir as provas da acusação”: “Aqui [no julgamento da 1ª Turma], o vídeo é exibido e é dito isso expressamente pelo ministro, que esse vídeo constitui prova da materialidade do delito. Então isso não pode partir do julgador. O julgador é o destinatário da prova, não é o produtor da prova. E pouco importa se esse vídeo é notório, se esse vídeo é público ou qualquer coisa nesse sentido, não cabe ao julgador trazer isso aos autos, cabe ao Ministério Público”.

Por essa razão, na visão do criminalista, “a exibição desses vídeos, sem que os mesmos tenham sido juntados aos autos anteriormente, constitui, sim, uma ilegalidade, juridicamente falando, tecnicamente falando”.

“Lamentavelmente esse tipo de atitude, de um modo ou de outro, inclusive descredibiliza o julgamento, porque demonstra, eventualmente, ou pode demonstrar para alguns, certa parcialidade do julgador”, completou.

Também ao UOL, a professora de Direito da USP, Helena da Costa, afirmou que a situação “reforça o pedido das defesas de acesso integral” ao material produzido durante a investigação. Ela destacou que o julgamento deve ser conduzido com base no que consta nos autos, sem o uso de dados externos. “É preciso respeitar a paridade de armas entre acusação e defesa”, destacou.

O jurista Wálter Maierovitch escreveu, em artigo ao portal, que Alexandre de Moraes “segue sendo acusador parcial, e Bolsonaro parte para o esperneio”. “Moraes, que agora deveria atuar apenas como juiz, ainda adota postura de acusador. Durante a sessão, teve recaídas e transbordou no ativismo judicial. Para leigos, sua atuação foi midiática —algo comum entre acusadores”, salientou.

“Nem o próprio procurador-geral utilizou filmagens. Ainda assim, Moraes, como se atuasse como auxiliar da acusação, trouxe essa prova de surpresa”, afirmou Maierovitch em outro treho.

Já o constitucionalista André Marsiglia, colunista deste site, afirmou nas redes sociais que nunca viu em toda a sua vida um juiz apresentar prova. “O pior do vídeo apresentado por Moraes não é ser prova surpresa, sem prévio informe às partes, não é ser editado, não é ser motivo para anular julgamento em qualquer país democrático do mundo, mas ser uma prova surpresa apresentada por um juiz. Nunca vi isso em toda minha vida”, escreveu o professor no X.

Na mesma rede social, o advogado criminalista Fabricio Rebelo também criticou duramente a atuação de Moraes, lembrando as críticas contra o então procurador da República Deltan Dallagnol, que, durante entrevista coletiva sobre a Lava Jato, fez uma apresentação por “PowerPoint” sobre o esquema de corrupção na Petrobras.

Na ocasião, Dallagnol era procurador, e não juiz, o que lhe conferia a legitimidade para apresentar publicamente as provas contra os acusados. Ele ainda acabou sendo condenado pela exibição.

“Se uma apresentação em Power Point exibida pelo Ministério Público Federal (legítimo órgão acusador) foi criticada, o que dizer de um julgador (teoricamente imparcial) que, na sessão de mero recebimento ou não da denúncia, exibe fotos e vídeos sobre a acusação?”, questionou Rebelo.

“Em QUALQUER tribunal, uma decisão de recebimento de denúncia nesse contexto seria anulada por excesso de linguagem (eloquência acusatória)”, destacou o criminalista, afirmando que isso constitui “causa de suspeição, por caracterizar pré-julgamento do caso”.

Érica Gorga, doutora em Direito pela USP, também criticou Alexandre de Moraes nas redes sociais e classificou a atitude como um “show”. “Não cabe ao juiz anexar novas provas que não estão no processo. Isso em si é motivo para nulidade processual”, explicou.

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