No primeiro trimestre de 2024, quando li dezenas de e-mails internos da equipe jurídica do Twitter Brasil para publicar a série de reportagens Twitter Files Brasil com Michael Shellenberger e David Ágape, chamou a minha atenção a competência técnica de um consultor jurídico sênior da rede social, Rafael Batista.
Ele compartilhava o claro viés progressista da equipe, mas era simplesmente justo. Por exemplo, quando a influenciadora de esquerda identitária Djamila Ribeiro tentou, em 2021, enquadrar todo o Twitter por causa de trending topics críticos contra ela e cooptá-lo como megafone para sua ideologia com “mensagens periódicas aos usuários” e “divulgação de informações de usuários sem ordens judiciais”, Batista resistiu e comentou que “os pedidos são irrazoáveis”.
Um trecho da nossa primeira reportagem que destaquei foi quando, no mesmo ano, Batista resistiu à caça do Tribunal Superior Eleitoral contra hashtags que pediam o voto impresso no Twitter. O consultor jurídico disse que o TSE não apresentou “provas da ilegalidade no uso das hashtags, o que pode caracterizar monitoramento e pesca probatória”, também incorrendo em “divulgação em massa e indiscriminada de dados privados de usuários, o que caracteriza uma violação da privacidade e outros direitos constitucionais”.
Na época, o presidente do TSE era o ministro Luís Roberto Barroso, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal. Quando foi sucedido na presidência do TSE por Edson Fachin, por poucos meses, e Alexandre de Moraes, por dois anos, continuou a caça às hashtags e a expansão dos poderes do tribunal.
Batista sabe em detalhe, portanto, que tipo de abuso contra as redes sociais cometeram os ministros do TSE em geral e Alexandre de Moraes, em especial.
Quando publiquei na Gazeta do Povo a primeira reportagem no início de abril de 2024 e busquei ouvir Rafael Batista, ele respondeu respeitosamente que foi orientado por seu advogado a não comentar. Nos últimos 12 meses, tentei outros contatos, sem sucesso.
Consultor jurídico sênior do Twitter ganhou mais de R$ 500 mil pelos e-mails publicados
Hoje, temos uma notícia sobre o advogado: ele ganhou mais de R$ 500 mil em indenização por danos morais do Twitter, hoje chamado X, pela publicação dos e-mails em que ele comentava os abusos de poder do Judiciário contra a rede social e seus usuários. As informações são da Agência Pública, que obteve o processo, que tramitou na 85ª Vara do Trabalho de São Paulo e foi resolvido com um acordo em 24 de junho.
Rafael Batista trabalhou no Twitter por dois anos e meio, deixando o posto de consultor jurídico sênior em janeiro de 2022, antes da compra da rede social por Elon Musk. O período coincide com o início da compra de ações da empresa pelo bilionário hoje membro do governo Trump.
A Agência Pública comete imprecisões sobre nossas reportagens ao dar a notícia da indenização a Rafael Batista. Em conformidade com o ativismo de esquerda e pró-Moraes, apaga o meu nome e o de David Ágape da autoria das reportagens, um possível esforço para validar a narrativa da “ameaça à soberania” concentrando toda a “culpa” em Michael Shellenberger. Essa narrativa, no momento, é uma das favoritas de José Dirceu.
A publicação também parece minimizar a importância das nossas reportagens dizendo que foram publicadas “em vários sites” — a Gazeta do Povo é um jornal tradicional brasileiro, com mais de 100 anos de idade.
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Outro erro é a insistência, também coincidente com as narrativas defensivas da esquerda pró-censura, que o “vazamento de emails internos” foi “coordenado” por Elon Musk. Isso é patentemente falso, e é uma correção que já fiz há um ano. Não houve qualquer planejamento de Elon Musk para investigar ações do Judiciário brasileiro. Shellenberger tinha acesso aos arquivos de emails internos do Twitter desde o final de 2022, quando foi um dos autores dos Twitter Files EUA junto a outros jornalistas como Bari Weiss, Matt Taibbi e Lee Fang. Foi ideia de David Ágape voltar a esse banco de dados e procurar informações sobre o Brasil em torno da virada de 2023 para 2024.
A Agência Pública, de novo em conformidade com o ativismo da esquerda pró-Moraes, destacou mais uma vez um erro (pequeno) cometido apenas por Michael Shellenberger, mas não por mim ou Ágape, muito menos pela Gazeta do Povo. Como eu contei antes aqui na coluna, colocar os holofotes nesse erro e ignorar o resto foi uma estratégia de uma advogada que já foi funcionária de Flávio Dino e, portanto, é fonte enviesada. Mas todos conhecem o viés ideológico dominante da maior parte dos veículos de comunicação no Brasil.
Sobre o TSE ter tentado obter, em violação ao Marco Civil (segundo consultores jurídicos como Batista), dados pessoais de milhares de brasileiros apenas por postarem uma hashtag e exercerem seu direito de se engajar no debate político brasileiro, a Agência Pública não tem nada a dizer, como tantos outros. Tampouco comenta sobre membros da CPI das Fake News terem pedido ao Twitter para ler mensagens diretas de usuários, outra potencial violação.
Mas a publicação não fica satisfeita só com essas omissões e imprecisões: alega que nossas série de reportagens foi “uma ação coordenada que envolveu Elon Musk e membros da extrema direita do Brasil e EUA para atacar o Supremo Tribunal Federal e tentar descredibilizar o ministro Alexandre de Moraes”.
Se eu sou um “membro da extrema direita”, no mínimo sou um membro ostracizado: já me casei com um homem e tenho textos públicos defendendo coisas como descriminalização da maconha, além de já ter sido fundador e presidente de associação de ateus. Lancei um livro contra o identitarismo, que poderia ser considerado uma forma de extrema esquerda. O fato é que a rotulação do veículo é uma mera opinião contrabandeada em texto supostamente factual, e muito difícil de provar.
É vergonhoso que um veículo de comunicação se preste a esse papel.
A publicação relata que Batista diz ter sofrido “um agravamento do quadro de depressão e transtorno de ansiedade”. Sinto muito por isso. Também sofrem depressão e ansiedade muitas das vítimas do Estado de exceção comandado por muitos dos ministros das altas cortes do país, em especial Moraes. Certamente, não é fácil para uma cabeleireira mãe de dois filhos passar dois anos em prisão preventiva apenas por, num momento de insensatez, ter pintado uma frase dita pelo presidente do STF em uma estátua. O momento de insensatez do ministro Barroso ao ter dito a frase meses antes, revelando viés político escancarado contra um grupo que ele agora ajuda a julgar, jamais receberá a punição desproporcional já sofrida por Débora Rodrigues dos Santos.
Batista disse à Agência Pública que não pode comentar o processo, pois ele correu em confidencialidade.
Pelo que foi revelado, parte da motivação de Batista para processar o X foi justamente para preservar sua imagem dentro de uma comunidade jurídica que está de joelhos para os abusos de Alexandre de Moraes e o resto do STF, que é cúmplice.
Entre o silêncio e a coragem
Na sexta passada, o jornalista Leonardo Desideri publicou uma excelente reportagem na Gazeta do Povo com o título “Espiral do silêncio entre juristas facilita caminho para abusos do STF”. Lá, os poucos juristas que denunciam a juristocracia, como nosso querido colaborador André Marsiglia, comentam como são vozes raras em um mar de carreiristas, pessoas “mais safas” que temem por suas carreiras e os simplesmente adeptos da ideologia censória e autoritária que toma pouco a pouco o país em nome de uma “democracia militante”.
Rafael Batista, contudo, não pode ser chamado de covarde. No dia 6 de dezembro, ele publicou um artigo no LinkedIn reagindo ao julgamento do STF que, se continuar como estava, poderá resultar na derrubada do Artigo 19 do Marco Civil, um dos artigos que Batista sabe que as ordens judiciais secretas violaram.
O tom de Batista é, para mim, brando demais. Mas ele diz que o julgamento poderá “impactar diretamente a liberdade de expressão, a segurança jurídica, a inovação tecnológica e os direitos fundamentais” e que o STF pode “estar ultrapassando suas atribuições”.
Ele fez no artigo concessões das quais discordo, como dizer que os ministros sofreram “ataques” nas redes sociais. Qual é a diferença entre crítica e ataque? Crítica é quando eu faço, ataque é quando você faz contra mim. Se tem alguém que deveria dar amplo espaço para críticas, é a autoridade pública.
Eu entendo por que Batista pega leve na crítica. Mas ele faz a crítica, diferente da maioria de seus colegas. Minha impressão de que ele é competente foi reforçada, embora eu lamente que tenha recorrido a processar o X por danos morais por coisas verdadeiras que disse, mas não gostaria que tivessem sido reveladas ao público. Que ele continue fazendo críticas, mas que chegue ao tom que o STF merece, que é um tom firme e sem meias palavras. Apaziguar não está adiantando. Pergunte à Débora e ao Filipe Martins, proibidos de dar entrevistas, e a tantos outros. Mas não adianta perguntar ao Clezão, ele escapou do regime da forma que todos um dia escaparemos: a paz eterna.