O Supremo Tribunal Federal (STF) descumpriu os prazos previstos na Lei de Acesso à Informação (LAI) e omitiu dados sobre o uso de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) por seus ministros. Mesmo após dois pedidos formais do jornal Folha de S. Paulo, o tribunal não esclareceu por quanto tempo manterá confidenciais os registros de passageiros.
As respostas chegaram com mais de um mês de atraso e só foram enviadas após a assessoria de imprensa ser cobrada. O Supremo também deixou de informar quais ministros requisitaram os deslocamentos.
O Ministério da Justiça, que intermediou parte dos pedidos, já determinou que os dados sob sua responsabilidade ficarão protegidos por cinco anos. No entanto, esclareceu que essa regra não se aplica às viagens requisitadas diretamente pelo STF — que deve decidir, por conta própria, qual será o tempo de sigilo.
Desde 2023, o governo Lula (PT) passou a liberar aeronaves da FAB não só para o presidente da Corte, mas também para os demais ministros. A medida foi justificada como resposta ao aumento de risco após os atos de 8 de janeiro.
A FAB publica em seu portal apenas os voos do presidente do STF, hoje o ministro Luís Roberto Barroso. As informações incluem horários, origem, destino e previsão de passageiros, mas omitem a identificação dos acompanhantes. Listas completas são divulgadas apenas nos voos de integrantes do Executivo e outras autoridades.
Já os deslocamentos dos outros ministros são classificados como “à disposição do Ministério da Defesa”, com base em um decreto de 2020 que permite o uso por motivos de segurança. Nessas situações, a FAB não especifica quem utilizou a aeronave.
O STF não respondeu, via LAI, quantas vezes seus ministros embarcaram nessa categoria. O Ministério da Defesa, no entanto, confirmou que foram ao menos 154 voos entre janeiro de 2023 e fevereiro de 2025 — sendo que mais de 70% deles transportaram apenas um magistrado. Os números não incluem as viagens do presidente do tribunal.
Parte desses deslocamentos foi requisitada pelo Ministério da Justiça, que informou ter deixado de intermediar essas solicitações a partir de abril de 2024.
Bruno Morassutti, advogado da ONG Fiquem Sabendo, afirma que não há padrão dentro do STF sobre a divulgação de viagens. “Infelizmente, há entendimentos diferentes entre os ministros sobre a divulgação de viagens. O STF perde muito em não dar transparência adequada para essas informações. Prejudica a imagem da instituição desnecessariamente num momento politicamente sensível”, declarou.
Morassutti lembra que o Supremo deve obedecer à LAI, embora não esteja sujeito às normas do Executivo. A Controladoria da Corte e o próprio presidente do STF são responsáveis por supervisionar os pedidos de acesso. Já o TCU (Tribunal de Contas da União) pode analisar do ponto de vista administrativo, mas não pode aplicar penalidades aos ministros.
Os dois pedidos encaminhados foram protocolados em 14 de fevereiro e 19 de março. A reportagem solicitou os trajetos e as listas de passageiros dos voos feitos desde janeiro de 2023. No segundo pedido, também questionou o grau de sigilo aplicado e por quanto tempo os dados ficarão ocultos.
A legislação obriga o órgão a indicar se o conteúdo será classificado como reservado (5 anos), secreto (15 anos) ou ultrassecreto (25 anos). Nenhum desses graus foi especificado nas respostas do STF. No site da Corte, existe uma seção para informações classificadas, mas ela afirma que não há nada sob sigilo atualmente.
Nas duas respostas, o tribunal citou um acórdão do TCU de 2024, que permite classificar como confidenciais os dados de voos da FAB quando há risco à segurança de autoridades. “É importante destacar que todas as requisições de uso de aviões da FAB para o Presidente do STF se fundamentam em razões de segurança institucional”, afirmou o Supremo.
Apesar disso, o tribunal não esclareceu qual classificação aplicou nem respondeu sobre as viagens dos outros ministros. Também não explicou como são feitas as solicitações, já que a presidência nega pedir voos em nome dos colegas de Corte.
A LAI estabelece prazo de cinco dias para respostas a recursos. Um dos pedidos só foi atendido após mais de 30 dias e depois de contato direto com a assessoria de imprensa.
Histórico de uso da FAB já gerou questionamentos
Em 2019, o transporte de familiares do então presidente Jair Bolsonaro por um helicóptero da FAB, para o casamento de seu filho Eduardo, levou o Ministério Público junto ao TCU a solicitar apuração. O subprocurador Lucas Rocha Furtado destacou a importância de garantir que o uso das aeronaves atenda ao interesse público, com transparência suficiente para coibir abusos.
O uso de aviões e helicópteros da FAB por autoridades é regido pelo decreto 4.244, de 2002, que não se aplica ao presidente da República. As normas limitam o uso a situações de segurança, emergência médica, missão oficial ou deslocamento para a residência permanente. É obrigatório informar o motivo da viagem e o número de acompanhantes.
Em 2024, Furtado reforçou: “Pela Constituição, o sigilo só é permitido quando a informação representa risco à sociedade ou ao Estado. Não é o caso.”