A Polícia Federal ouve nesta quinta-feira (17) Luiz Fernando Corrêa, atual diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), já com a decisão tomada de indiciá-lo por suposta obstrução de investigação. A apuração envolve o uso ilegal da agência no governo Bolsonaro, mas mira agora figuras de confiança do presidente Lula (PT), em especial Corrêa e seu ex-subordinado Alessandro Moretti.
O depoimento de Corrêa é o último passo antes do relatório final da PF, previsto para a próxima semana. A corporação alega ter reunido dezenas de testemunhos e provas técnicas suficientes para responsabilizá-lo por interferência direta no andamento do inquérito. “A conclusão só mudaria com uma defesa irrefutável, algo que, até agora, não surgiu”, diz um investigador.
Alessandro Moretti, ex-número 2 da agência e demitido por Lula em janeiro de 2024, também será indiciado. Ambos são acusados de tentar barrar ou manipular o curso das investigações — a partir de ações como omissão de dados, envio de informações distorcidas e até formatação de computadores fora dos padrões legais. A PF vê nisso uma tentativa deliberada de atrapalhar a coleta de provas.
Em nota, a Abin negou as acusações e afirmou ter colaborado com os pedidos da Polícia Federal. Nos bastidores, a equipe de Corrêa acusa a PF de agir com viés político e tentar desgastar o governo Lula.
A tensão entre PF e Abin se arrasta desde a transição de governo. Corrêa, homem de confiança de Lula e ex-diretor da PF em seu segundo mandato, entrou no radar dos investigadores após indícios de que a espionagem ilegal, iniciada na era Bolsonaro, seguiu sendo operada no início da gestão petista.
Uma reunião em março de 2023, na qual Moretti teria dito que a investigação tinha “fundo político e iria passar”, reforçou a suspeita de interferência. A fala não é atribuída diretamente a ele, mas à “direção-geral”, termo que, para a PF, aponta conluio entre os atuais chefes da Abin e os investigados.
Outro ponto sensível surgiu com a revelação de que a Abin espionou autoridades paraguaias — operação iniciada sob Bolsonaro e que teria continuado sob Lula. A PF avalia abrir um inquérito separado para aprofundar o caso. Um agente da Abin confirmou a ação em depoimento, segundo reportagens do UOL e da Folha.
O centro da investigação é o uso do software espião FirstMile, empregado pela Abin para monitorar desafetos políticos no governo anterior. A PF já tentou suspender o mandato do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da agência e próximo de Bolsonaro, mas teve o pedido negado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), apontado como chefe do chamado “gabinete do ódio”, também é alvo do inquérito.
Mesmo com foco inicial nos bolsonaristas, o escândalo começa a respingar na gestão Lula. Para investigadores, há elementos claros de continuidade das práticas ilegais. A Intelis, associação de servidores da Abin, reagiu. Em nota publicada na quarta-feira (16), criticou duramente a PF e denunciou o que chamou de “ampliação indevida do escopo investigativo”.
“A ampliação do escopo do inquérito parece servir a interesses políticos e de deslegitimização da Inteligência de Estado. É inadmissível que uma campanha de descredibilização seja capitaneada por grupos da própria administração pública nacional”, afirma a entidade.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) terá a palavra final: poderá denunciar os investigados à Justiça, pedir novas diligências ou arquivar o caso.