O advogado constitucionalista André Marsiglia publicou nesta quinta-feira (3), em seu perfil no X, uma análise jurídica detalhada sobre os desdobramentos do pedido de suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no Supremo Tribunal Federal (STF) — e alertou que, caso a suspensão seja aceita, o efeito pode atingir diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus do chamado “núcleo 1” das denúncias da PGR.
“Algumas considerações jurídicas sobre o possível alcance da suspensão a Bolsonaro e como o STF provavelmente reagirá”, escreveu Marsiglia, antes de elencar cinco pontos que, segundo ele, tornam a situação jurídica sensível e politicamente explosiva.
🚨Algumas considerações jurídicas sobre o possível alcance da suspensão a Bolsonaro e como o STF provavelmente reagirá.
1) Ramagem é deputado. O artigo 53, § 3º e 4º da CF exige que denúncias aceitas pelo STF contra deputados diplomados devem ser informadas ao parlamento, que… pic.twitter.com/KNYco7JBma
— Andre Marsiglia (@marsiglia_andre) April 4, 2025
1. Previsão constitucional clara
Marsiglia destacou que, por ser deputado, Ramagem está amparado pelo artigo 53, §§ 3º e 4º da Constituição Federal, que determina que o STF deve comunicar ao parlamento quando aceita denúncia contra parlamentar diplomado. A Câmara, então, pode votar, por maioria absoluta, a suspensão da ação penal até o fim do mandato. “Esse recurso é importantíssimo pra gente defender uma prerrogativa constitucional do artigo 53, que foi lamentavelmente esquecida na denúncia do procurador e aceita pelo ministro Alexandre de Moraes”, já havia advertido o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante.
2. Suspensão precisará alcançar Bolsonaro
Para Marsiglia, se o processo contra Ramagem for suspenso, o STF não poderá manter o julgamento apenas contra os outros réus do núcleo principal da denúncia. “As denúncias do núcleo foram recebidas em bloco. Não faz sentido jurídico nenhum fatiar para julgar se não se fatiou para receber a denúncia”, afirmou. O núcleo 1 inclui, além de Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados próximos, acusados de tentar articular um golpe de Estado após as eleições de 2022.
3. Julgamento dos demais núcleos comprometido
Segundo o jurista, como o núcleo 1 é a “espinha dorsal do suposto golpe” — ou seja, a base a partir da qual se sustenta a narrativa da PGR —, será difícil dar seguimento ao julgamento dos demais núcleos sem que este esteja consolidado. Em outras palavras: sem o núcleo 1, o resto do processo perde coerência e sustentação.
4. O cerne da acusação é o uso da palavra
Marsiglia chama a atenção para o fato de que boa parte da acusação contra os réus do núcleo 1, incluindo Bolsonaro, está relacionada ao uso da palavra: postagens, lives e discursos. Para o advogado, essa característica coloca o próprio artigo 53 — que trata da imunidade parlamentar por opiniões, palavras e votos — no centro da discussão. “O STF provavelmente discutirá se a previsão da suspensão, por estar pendurada no art 53, aplica-se ao caso do golpe. Mas é bom que se diga que boa parte da acusação está relacionada ao uso da palavra”, pontuou.
5. Mesmo que não se suspenda, julgamento ficará paralisado
Por fim, Marsiglia prevê que, mesmo se o Supremo entender que a suspensão da ação não se aplica, o processo contra Ramagem e seus colegas de núcleo ficará travado até que a questão esteja solucionada. Para ele, esse é um sinal claro de que “o parlamento não está submetido” ao Judiciário e que a Constituição garante ao Legislativo os instrumentos para se contrapor a excessos.
O debate sobre o alcance do artigo 53 ocorre enquanto o PL intensifica a pressão pela aprovação da anistia aos presos do 8 de janeiro. Sóstenes Cavalcante anunciou que, como a estratégia de líderes partidários não avançou, o partido iniciou a coleta de assinaturas individuais. Até o momento, são 163 das 257 necessárias para que o requerimento de urgência entre em pauta sem o aval do presidente da Câmara.
Segundo Sóstenes, já há “maioria absoluta” para aprovar o projeto no plenário. O vice-presidente da Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), também sinalizou que “a hora está chegando” e que Hugo Motta “não vai se furtar de avançar com o projeto da Anistia”.
O pedido de suspensão da ação penal contra Ramagem, amparado por prerrogativa constitucional, coloca o STF diante de um dilema: ou acata a interpretação da Câmara, reforçando o papel do Legislativo, ou insiste em manter o curso do processo — correndo o risco de ser acusado de ultrapassar os limites da Constituição.
Para Marsiglia, qualquer que seja a decisão, o episódio demonstra que o Legislativo “não está submetido” e tem prerrogativas que não podem ser ignoradas. Se a Câmara sustar o processo de Ramagem, o STF terá de decidir se estende esse entendimento a Bolsonaro — ou se mergulha em mais um embate institucional que reacende o debate sobre ativismo judicial e separação de poderes.