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O Sigilo Que Fala Demais

A história continua a se repetir, e o padrão é sempre o mesmo: garantias fundamentais são relativizadas em nome de objetivos momentâneos, enquanto o Estado de Direito vai sendo corroído sob o aplauso de quem acredita que “os fins justificam os meios”. Em 2017, critiquei os abusos da Lava Jato, que, ao relativizar princípios como o sigilo de comunicações e a presunção de inocência, abriu uma perigosa “Caixa de Pandora”. Em 2019, denunciei o mesmo fenômeno no caso Michel Temer, quando decisões judiciais começaram a criar um perigoso caminho para o totalitarismo, instrumentalizando o sistema judicial como ferramenta política. Hoje, o alvo é Jair Bolsonaro, mas o problema permanece o mesmo: o uso seletivo e arbitrário da justiça, que fere as bases do devido processo legal.

O recente tweet do advogado Paulo Cunha Bueno resume bem a situação: a defesa de Bolsonaro está sem acesso à íntegra da delação premiada de Mauro Cid, mas trechos do documento têm sido divulgados para a imprensa. Essa prática, longe de ser novidade, representa uma afronta direta à ampla defesa e ao contraditório. As reportagens da Folha de São Paulo e de O Globo revelam detalhes que, curiosamente, estão vedados aos advogados. Isso não é justiça; é desequilíbrio processual, algo que já critiquei nos episódios anteriores envolvendo Lava Jato e Temer.

O sigilo processual, que deveria proteger a integridade das investigações e das partes envolvidas, foi transformado em uma ferramenta de manipulação. Vaza-se seletivamente para a mídia, criando narrativas que julgam antes do tribunal. Esse desequilíbrio é corrosivo. Ele compromete a presunção de inocência, cria um julgamento midiático e inviabiliza uma defesa completa. Quando a opinião pública é alimentada com fragmentos de informações, descontextualizadas e muitas vezes sensacionalistas, os acusados são condenados antes mesmo de terem chance de apresentar suas razões.

A delação de Mauro Cid, vazada em trechos cuidadosamente selecionados, foi usada para categorizar políticos em “moderados”, “conservadores” e “radicais”. Essa estratégia narrativa é familiar: vimos algo parecido na Lava Jato, quando informações eram estrategicamente divulgadas para mobilizar apoio público enquanto direitos fundamentais eram atropelados. Da mesma forma, em 2019, as denúncias contra Temer foram instrumentalizadas para criar um espetáculo público que pouco tinha a ver com a busca pela verdade ou justiça.

O problema aqui não é quem está no banco dos réus. O que está em jogo é muito maior do que qualquer figura política: é a integridade do sistema de justiça. Quando permitimos que princípios como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal sejam relativizados, estamos legitimando a arbitrariedade. Justiça não é espetáculo, não é instrumento de poder e não é um jogo de conveniência política. Ela deve ser pautada por regras claras e princípios imutáveis.

O que vimos em 2017 e 2019 está acontecendo novamente agora. O sigilo, que deveria ser uma garantia, tornou-se uma mordaça para as defesas e um megafone para os que desejam moldar a narrativa pública. Isso é perigoso porque cria precedentes que podem ser usados contra qualquer um, em qualquer momento. Hoje, o alvo é Bolsonaro; ontem, foi Temer; amanhã, pode ser qualquer pessoa ou grupo. Quando a balança da justiça é manipulada, ninguém está a salvo.

Minha posição permanece a mesma: o Estado de Direito não é negociável. Garantias fundamentais existem para proteger todos os cidadãos, independentemente de suas ideologias ou posições políticas. Aceitar sua relativização é abrir espaço para um sistema que escolhe quem punir e como, de acordo com interesses momentâneos. E um sistema assim não é justiça; é o abominável rule of man ao invés do rule of law. Não há nada de Estado de Direito nisso.

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Leonardo Correa

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