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Imprensa alinhada ao regime fingiu que audiência com Glenn Greenwald no Senado não foi importante

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Há 24 horas, estava começando a audiência pública na Comissão de Segurança Pública do Senado, presidida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e com presença do jornalista americano Glenn Greenwald. Remotamente, o jornalista português Sérgio Tavares, detido ilegalmente em um aeroporto ao visitar o Brasil, também participou. 

O americano que tem contato com o Brasil há 20 anos, onde se casou e se tornou pai e viúvo. Ele é o principal nome de duas importantíssimas séries de reportagens para a política brasileira: a Vaza Jato, que iniciou uma série de acontecimentos que culminaram em Luiz Inácio Lula da Silva sendo libertado da prisão; e a Vaza Toga, que escancarou o Gabinete da Criatividade do ministro Alexandre de Moraes, um monstro Frankenstein institucional criado pela costura de pedaços de seu gabinete no STF e o TSE. 

O Gabinete da Criatividade envolveu abusos como uma pesca probatória ordenada contra a revista Oeste, revelaram Glenn Greenwald e seu colaborador Fabio Serapião. Greenwald também acusa o ministro de ter abusado dos poderes do TSE até depois das eleições de 2022, e de usar esses poderes para investigar assuntos pessoais. 

Essas informações foram reveladas graças ao conteúdo do celular do ex-assessor de Moraes no tal gabinete irregular, Eduardo Tagliaferro, agora indiciado por vazamento de informações. Ele faltou à audiência, mas mandou áudios que foram reproduzidos lá, dizendo que está sendo perseguido pelo Judiciário e que teme por sua segurança e a de sua família. 

Senadores importantes da direita estavam presentes: Damares Alves, Eduardo Girão, Hamilton Mourão, Magno Malta e Rogério Marinho. Além de deputados como Marcel van Hattem. 

Informações importantes foram reveladas: Damares contou, por exemplo, que uma petição com assinaturas de 16 senadores para visitar na prisão Anderson Torres (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro) foi ignorada por seis meses por Alexandre de Moraes. Segundo a senadora, quando confrontado a respeito da falta de resposta, o ministro disse que o documento deve ter se perdido em seu gabinete, o que ela considerou deboche contra o Senado. 

Também foi discutido o PL do Supremo, o projeto de lei que eu chamo de “anistia água de salsicha”, feito sob medida para tirar a atenção do PL da Anistia aos presos do 8 de Janeiro, apenas reduzindo penas. O apelido “PL do Supremo”, dado pelo jornalista Claudio Dantas, é referência ao fato de que quem articulou o projeto foi o STF, junto aos presidentes do Senado e da Câmara. 

O senador Rogério Marinho (PL-RN) comentou que uma repórter veio lhe perguntar a respeito desse PL do Supremo. Sobre a irregularidade de ministros do Judiciário estarem tentando criar leis, ele disse “A Constituição foi revogada? Você me pergunta isso com uma naturalidade…” 

Tudo o que narro acima e testemunhei na audiência a torna muito importante para nosso cenário político atual. Mas a audiência começou relativamente esvaziada e não terminou lotada. Não havia um só senador ou deputado associado à esquerda do espectro político. E outra ausência foi notada: a dita “grande imprensa”, notavelmente os veículos alinhados com o Regime de Exceção que manda no país. 

Quem chamou a atenção para essas ausências foi o senador Eduardo Girão (Novo-CE). Flávio Bolsonaro pediu para representantes de veículos presentes levantarem as mãos. Estavam presentes apenas este Portal Claudio Dantas, a Gazeta do Povo, a revista Oeste e a rádio AuriVerde. 

Hoje, fiz buscas com palavras-chave diferentes de todos os resultados da cobertura da audiência pública no Google nas últimas 24 horas. Cobriram o evento, além dos veículos acima, diversos canais da nova mídia das redes sociais e sites menores reproduzindo o que foi publicado por esses veículos. Cobriram algum aspecto da audiência também o Jornal da Noite da Band, a própria agência de notícias do Senado, Jornal da Cidade Online, Pleno News, Estado de Minas, Jornal de Uberaba, Poder360, Correio Braziliense, Jovem Pan, Metrópoles, O Antagonista e até o veículo de esquerda Carta Capital. 

Nada de Globo News, Folha de S. Paulo, UOL ou Estadão. Desses, creio que é seguro dizer que ao menos a Globo News é alinhada com o regime. A preferência dos ministros do STF de mandar recadinhos anônimos para a Globo News, que jornalistas do veículo com frequência só reproduzem sem contraponto ou apuração, é uma prova disso. 

Quanto à Folha e o Estadão, não afirmarei a mesma coisa a seu respeito, pois a Folha publicou as reportagens de Greenwald e Serapião, além de editoriais críticos a Moraes, e o Estadão também tem criticado a juristocracia. Esses dois, então, ganham algum crédito apesar da falta de cobertura. Não que deixe de ser estranho. 

Examinemos a cobertura dos veículos mais tradicionais que não ignoraram a audiência nas últimas 24 horas. A Carta Capital é o mais surpreendente da lista, pois é alinhada com o petismo. Em sua cobertura, contudo, essa revista resumiu assim a Vaza Toga: “suposto uso de órgãos do TSE (…) para produzir relatórios sobre desinformação nas eleições que, posteriormente, subsidiaram investigações contra bolsonaristas no STF”. Santo eufemismo, Batman! A Carta também fez o favor de reproduzir as acusações dos investigadores da Polícia Federal contra Tagliaferro. 

O Poder360, um dos mais lidos entre os parlamentares, destacou a falta de Moraes à audiência. Sua cobertura, como de praxe, foi técnica e fez o grande favor de disponibilizar na íntegra o requerimento de convite a Moraes. Da minha parte, só elogios ao veículo. 

Vi malandragem na cobertura do Correio Braziliense e Estado de Minas. O primeiro destacou, o que foi reproduzido pelo segundo, que Damares sugeriu que Moraes faça exame de sanidade mental. Procurar pelo “homem que mordeu o cachorro” da notícia é normal, mas essa declaração de Damares é um destaque simplesmente estranho para o que vi nas quatro horas de audiência. 

Se fosse para destacar as falas de Damares, houve outras igualmente chamativas: por exemplo, ela lembrou a Glenn Greenwald que ele já a chamou de “a mais louca do governo anterior”. Ela se defendeu disso, dizendo que é louca para proteger as crianças, mas disse também que Greenwald tem todo o direito de fazer esse tipo de crítica ácida a políticos como ela. 

Por que o Correio não escolheu essa outra declaração para destacar? Porque ela faz Damares parecer tolerante, equilibrada, leve. A declaração escolhida chama por uma repercussão que você poderá ver nos comentários da página do veículo no Facebook. Por exemplo: “Vindo dela é motivo de júbilo, viu Jesus na goiabeira”, disse um dos comentários mais bem avaliados por outros leitores na rede social, fazendo referência cruel à infância traumática de Damares e o alento que ela buscou na fé. 

Era essa repercussão que o Correio queria? Não é possível afirmar. Mas vou dizer que a negabilidade plausível é exatamente parte da escolha de cobertura vista ali. 

Não é minha intenção, neste artigo, aprofundar a crise de credibilidade da imprensa tradicional ou de grandes veículos como a Globo News. Mas é minha intenção mostrar que partilham da responsabilidade pela crise, na forma como decidem suas prioridades. 

Ignorar uma audiência no Senado com presença de Glenn Greenwald sobre informações vazadas do Gabinete da Criatividade de Moraes é comer bola. No mínimo, é ter prioridades fora do lugar. E, no pior dos casos, é alinhamento com o abuso de poder que acontece há no mínimo seis anos neste país. 

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