Os comentaristas políticos progressistas estão confusos. Acham que o acordo nuclear de Barack Obama com o Irã poderia ter funcionado. Agora, começaram a perguntar por que Israel pode ter a bomba atômica e o país persa não.
Entre várias respostas possíveis, a mais importante é esta: é porque o Irã é uma teocracia fundada sobre um mito religioso que exige o genocídio dos judeus.
Esperando Godot, ou esperando o Mahdi
Desde que foi fundado por Maomé no século VII, o islã se dividiu em dois ramos principais: de um lado, os sunitas, do outro, os xiitas. A principal diferença teológica entre eles trata da legitimidade da sucessão do profeta: os sunitas acham que os herdeiros espirituais imediatos são os quatro califas, os xiitas discordam e defendem que o herdeiro legítimo é o primo e genro de Maomé, o califa Ali.
No mundo, 90% dos muçulmanos são sunitas. No Irã, é o contrário, mais de 90% da população é xiita. O Estado teocrático adota uma seita específica do xiismo, que também é majoritária nesse ramo: o culto aos 12 imãs (imamismo ou mahdismo), uma dúzia de líderes escolhidos por Deus. É uma seita milenarista, ou seja, espera pela vinda de uma figura sagrada antes do Juízo Final. A figura em questão é Mahdi, o décimo-segundo imã e último sucessor de Ali.
O imamismo explica por que o Irã é uma teocracia, já que os 12 são líderes não apenas espirituais, mas políticos. E a crença no Mahdi explica o conflito com Israel. Para a teocracia iraniana, o Mahdi vive em ocultação — um estado sagrado de invisibilidade em que foi posto por Alá no ano 874 — e se revelará somente quando for atingida a justiça no mundo. Isso acontecerá, para parte dos adeptos, quando os judeus forem eliminados.
Há imamistas que não acreditam nessa condição, mas ela está em um hádice, uma das escrituras sagradas fora do Corão. “A Hora não vai começar até que se lute contra os judeus, até que o judeu se esconda atrás de uma pedra ou de uma árvore, e a pedra ou a árvore dirá ‘oh muçulmano, oh servo de Alá, há um judeu atrás de mim; venha e mate-o’”, diz o hádice, que está incluso no infame estatuto do Hamas de 1988. Não é à toa que o Hamas é um grupo terrorista financiado pelo Irã, e o Hezbollah foi fundado pela teocracia.
Em se tratando de religião, há sempre diversidade de opinião internamente. Em 2020, uma pesquisa do instituto Gamaan, dedicado a analisar e medir atitudes dentro do Irã, envolvendo 50 mil iranianos, descobriu que 26% disseram que ainda acreditam no retorno iminente do Mahdi.
Mas na Guarda Revolucionária Iraniana (CGRI), o “mahdismo” tem recebido prioridade e é “o principal prisma pelo qual a CGRI e clérigos radicais afiliados entendem o mundo ao seu redor”, segundo o Instituto do Oriente Médio (MEI, na sigla em inglês), um think tank estabelecido em Washington em 1946. A organização considera o entendimento do séquito um “ponto cego” para os tomadores de decisão e especialistas ocidentais.
Mesmo dentro da seita milenarista, há uma interpretação de “quietismo”: que durante o estado de ocultação sagrada do Mahdi, nenhum governo islâmico será legítimo. Essa interpretação foi desfavorecida com a revolução islâmica de 1979, que estabeleceu o aiatolá como líder supremo do Irã. Foi o primeiro aiatolá, Khomeini, quem estabeleceu a doutrina teológica de hegemonia clerical sobre o Estado até a volta do Mahdi.
O segundo aiatolá, Ali Khamenei, que assumiu a posição em 1989, leva a volta do décimo-segundo imã muito a sério. Ele estabeleceu cinco condições necessárias para o retorno do líder oculto: uma revolução islâmica, um regime islâmico, um governo islâmico, uma sociedade islâmica e uma civilização islâmica.
Mais recentemente, diz um relatório do MEI de 2022, a existência de Israel tem sido vista pela Guarda Revolucionária e o aiatolá como “a maior barreira ao reaparecimento do 12º imã”.
Os aiatolás não disseram explicitamente, mas não precisaram dizer
Não é nenhuma teoria da conspiração de uma organização americana. Ambos os líderes supremos da teocracia chamaram pela destruição de Israel. Mas, para ser um pouco advogado do aiatolá, Khomeini e Khamenei não disseram explicitamente que varrer Israel do mapa é uma condição da revelação do Mahdi.
Contudo, outros líderes radicais do imamismo em torno do líder supremo disseram exatamente isso. Por exemplo, o aiatolá de menor escalão Mohammad-Mehdi Mirbagheri, membro da Assembleia dos Peritos, que tem como atribuição nomear o líder supremo, disse que “Para que o Imã Oculto reapareça, devemos nos engajar em guerra aberta contra o Ocidente”. Ele considera Israel parte do Ocidente.
Em 3 de janeiro de 2020, Donald Trump eliminou o general Qasem Soleimani, da Guarda Revolucionária. Ele liderava operações estrangeiras da Força Quds, ou seja, espalhava o terror pela região — em especial Iraque, Líbano, Síria e Iêmen. Khamenei reagiu chamando os americanos de “o povo mais cruel da Terra”. Soleimani era devoto do culto milenarista do 12º imã.
A Guarda Revolucionária tem uma unidade de inteligência. O líder do chefe de inteligência é o clérigo Mehdi Taeb, que atua como guru espiritual para a guarda. Em 2015, Taeb disse que o papel das forças armadas do aiatolá é “remover os obstáculos à emergência do Imã desta Era, o mais importante dos quais é a existência do regime usurpador de Israel”.
Os líderes supremos do Irã não disseram explicitamente que a destruição de Israel é necessária para o reaparecimento de um líder religioso “vivo” de 1.157 anos, magicamente ocultado por Alá há 1.151 anos (desde que ele tinha apenas seis anos), porque não precisam dizer. Há sugestões suficientes de que é nisso que o regime acredita. Líderes com crenças tão bizarras devem ser impedidos de criar mais um poder nuclear.