Por Ary Alcântara*
As reações do mercado diante das medidas tarifárias adotadas pelos Estados Unidos sob a liderança do presidente Donald Trump geram impactos significativos – inclusive de natureza atuarial – nos fundos de pensão.
Esses fundos representam o maior grupo de investidores no mercado de capitais global. Seus ativos têm como principal finalidade garantir os compromissos previdenciários de longo prazo, ou seja, cobrir passivos exigíveis associados a aposentadorias e pensões.
Esse longo prazo decorre, essencialmente, de dois fatores: o tempo de vida ativa e a expectativa de sobrevida após a aposentadoria – variáveis que evoluíram substancialmente nas últimas décadas. Como referência, a expectativa de vida ao nascer, que antes da década de 1960 era inferior a 50 anos, atualmente ultrapassa os 80 anos. Esse salto aumenta em cerca de 30 anos a duração (ou duration) média de um benefício previdenciário. Simultaneamente, o período de vida produtiva também se estendeu, com pessoas permanecendo ativas por mais tempo.
Somente com esses dois fatores, observa-se um aumento significativo na extensão dos passivos previdenciários – o que, por si só, eleva o risco associado à gestão dos ativos que devem garanti-los.
Para ilustrar: em média, um participante de fundo de pensão acumula recursos por cerca de 50 anos para arcar com um benefício que pode perdurar por mais 30 anos. Essa lógica é a base de modelos atuariais que avaliam a viabilidade e a composição das carteiras de investimentos desses fundos.
Nesse cenário, as flutuações provocadas pelas chamadas “trumpulências” – sejam elas nos mercados acionários, nos títulos de dívida ou em ativos imobilizados – podem gerar efeitos emergenciais preocupantes. Ainda assim, é essencial não perder de vista que os impactos reais, no longo prazo, exigem uma análise mais técnica e menos reativa.
No curto prazo, é natural que instituições financeiras e seus operadores adotem posturas sensíveis às oscilações do mercado. Suas análises tendem a refletir o imediatismo das reações emocionais, o que exige cautela.
Por isso, recomenda-se uma abordagem prudencial nos próximos períodos contábeis e atuariais. Relatórios financeiros devem considerar, de forma clara, os riscos ainda indefinidos e os possíveis efeitos patrimoniais resultantes desse novo ambiente econômico.
Essa cautela deve se estender à formulação de estratégias patrimoniais, às decisões corporativas e às políticas de investimento. A incerteza exige análise cuidadosa, sobretudo na hora de eleger alternativas de alocação de recursos.
Por outro lado, esse também é um momento fértil para identificar oportunidades – como frequentemente ocorre em períodos tidos como “críticos”.
É importante lembrar que os fundamentos econômicos não mudam com facilidade. Sua permanência, especialmente no médio prazo, é um pilar essencial de boa governança e de práticas sólidas de compliance.
*Ary Alcântara, Analista de Sistemas, professor em atuária, especialista em Previdência, consultor financeiro no desenvolvimento de produtos destinados a investidores institucionais