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O respeito à lei na pena do Ministro Fux

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No julgamento da Ação Penal contra Débora Rodrigues dos Santos, o Ministro Luiz Fux ofereceu um raro exemplo de fidelidade ao papel que incumbe ao juiz: dizer o que a lei é, e não o que ele gostaria que fosse. Seu voto, centrado na competência, no standard probatório e na preservação das garantias individuais, reafirma os pilares que sustentam o processo penal em um Estado de Direito.

Logo na preliminar, Fux reconheceu a incompetência originária do Supremo Tribunal Federal para julgar o feito, uma vez que a ré não possuía prerrogativa de foro. “Entendo que a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções não subsiste após o afastamento do cargo e, não se tratando de acusada dotada do foro por prerrogativa de função, não se configuram presentes as hipóteses do art. 102, I, ‘b’ e ‘c’, da Constituição, devendo a ação penal ser julgada perante o juízo competente de primeira instância.” Era a reafirmação simples de um limite objetivo imposto pela Constituição, sem expansões interpretativas que, em tempos recentes, tornaram-se comuns.

Diferentemente de muitos de seus pares, Fux julga de modo a aceitar que a Constituição é “a lei que governa aqueles que nos governam”, e não uma tela em branco para ser pintada com o pincel do ativismo e as tintas da subjetividade. Ele não inventa novas normas, não muda o sentido das palavras do texto constitucional, e age com técnica e precisão. Essa postura preserva a integridade da ordem jurídica e impede que o Direito se transforme em instrumento de vontade política momentânea.

Avançando para o mérito, Fux estruturou o voto com rigor jurídico, fixando os standards adequados para a condenação criminal. Citando Jordi Ferrer-Beltrán, destacou que “no âmbito penal, operaria o standard que exige que a hipótese esteja confirmada ‘para além de qualquer dúvida razoável’”. A partir dessa premissa, reafirmou que “se a verdade processual não revela fundamentos certos para a condenação do acusado, deve incidir o princípio do in dubio pro reo, pelo qual a dúvida deve conduzir ao julgamento favorável ao acusado”.

Com base nessa exigência, analisou minuciosamente as provas produzidas nos autos. Reconheceu que a ré cometeu o crime de deterioração de patrimônio tombado ao pichar a escultura “A Justiça” com os dizeres “Perdeu, Mané!’’. “Restam comprovadas, sem qualquer margem de dúvidas, a autoria e a materialidade das condutas imputadas à ré”, afirmou. Em relação às demais acusações, contudo, adotou a firmeza que se espera de um juiz verdadeiramente comprometido com a lei: “Diversamente, o que se colhe dos autos é a prova única de que a ré esteve em Brasília, na Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023 e que confessadamente escreveu os dizeres ‘Perdeu, Mané’ na estátua”.

Em trecho ainda mais emblemático, pontuou: “Nos crimes multitudinários, dispensa-se a descrição pormenorizada da conduta individual, bastando que haja provas de que o agente estava vinculado aos demais na prática delitiva. No entanto, essa categoria de delitos não se destina a permitir a condenação em caso de inexistência de provas do liame subjetivo, sob pena de incorrer-se em presunção de culpabilidade.” A clareza é absoluta: a simples presença no local dos fatos não basta para imputar ações ou intenções não comprovadas.

Ao absolver Débora dos crimes de associação criminosa armada, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, Fux reafirmou que a função do juiz não é atender às expectativas populares ou políticas, mas simplesmente aplicar o direito conforme ele é. Como concluiu em seu voto: “Condenação exige certeza …, não bastando a alta probabilidade…, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio”.

No contexto atual, em que se testemunha a confusão entre julgamentos políticos e processos judiciais, a postura do Ministro Luiz Fux merece ser destacada e preservada como exemplo de sobriedade, rigor técnico e respeito às garantias fundamentais. O voto de Fux, ao exigir provas concretas e respeitar o devido processo legal, expõe a falta de legitimidade das condenações baseadas em presunções e conjecturas. No conceito de Randy Barnett, exposto em “Restoring the Lost Constitution”, a legitimidade de uma decisão judicial deriva da aplicação fidedigna de regras claras, anteriores e impessoais, e não da vontade arbitrária dos julgadores.

A intransigência dos demais ministros, que mantiveram posições radicais mesmo diante das fragilidades evidenciadas, torna patente que o único caminho possível para restabelecer o direito, em harmonia com uma concepção verdadeiramente republicana da Constituição, é a anistia. Todavia, essa saída constitucional é sistematicamente bloqueada pela omissão do Presidente da Câmara, Hugo Motta, que insiste em não pautar a votação do projeto. E enquanto o Congresso não assume o seu papel de restaurar a ordem jurídica pela via da anistia, a tensão social no país apenas se agrava, alimentada pela percepção crescente de injustiça e de ruptura com os princípios que deveriam reger uma sociedade livre, tão bem evidenciadas no voto do Ministro Fux.

*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum

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