Por Everardo Gueiros*
A decisão do Supremo Tribunal Federal de julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro por suposta tentativa de golpe de Estado não surpreende. O que espanta, e preocupa, é a velocidade, a narrativa construída e o clima político-judicial que transforma um processo penal em espetáculo midiático.
Não se trata aqui de negar a importância da apuração de qualquer conduta ilícita, especialmente quando envolve autoridades públicas. A lei deve alcançar a todos, inclusive os ex-presidentes. Mas para ser respeitada, ela precisa vir desprovida de paixões políticas, sem pressa seletiva e com respeito irrestrito ao devido processo legal.
O que temos, no entanto, é um roteiro já conhecido, antes mesmo da instrução probatória, já se antecipam julgamentos morais, condenações políticas e manchetes prontas para consumo imediato. O réu, nesse modelo, se defende da pena, mas a pena já é sua imagem arrastada no noticiário, sua reputação atacada por narrativas e seu legado reescrito por adversários.
Bolsonaro, goste-se ou não de seu estilo, foi legitimamente eleito por 58 milhões de brasileiros. Governou sob intensos ataques, enfrentou uma pandemia, oposição sistemática e uma imprensa majoritariamente hostil. E agora, em vez de ser julgado com serenidade, se vê alvo de uma ofensiva judicial que carrega sinais evidentes de uma tentativa de exclusão política.
Transformar adversários em inimigos, e inimigos em criminosos, é uma tentação antiga dos que se consideram donos das instituições. Mas esse caminho é perigoso, corrosivo para a democracia e fatal para a confiança da sociedade no sistema de justiça.
Não se defende aqui a impunidade. Defende-se o equilíbrio, a prudência, o respeito às garantias que servem para proteger todos, não apenas os simpáticos aos ventos do momento. Quando essas garantias são relativizadas para uns, mais cedo ou mais tarde serão negadas a todos.
A história está repleta de exemplos de líderes que, após deixarem o poder, foram perseguidos por seus sucessores. Em alguns casos, voltaram ainda mais fortes. Em outros, deixaram cicatrizes profundas nas instituições. O Brasil precisa escolher se quer ser uma democracia madura ou um país que transforma a política em arena judicial.
O que está em julgamento não é apenas Jair Bolsonaro, é a maturidade de nossas instituições, a serenidade de nossos julgadores e a capacidade do país de não repetir erros históricos em nome de revanche.
*Everardo Gueiros é advogado e empresário. Foi Secretário de Projetos Especiais do Governo do Distrito Federal, Desembargador do TRE-DF, Conselheiro Federal da OAB, presidente da Caixa de Assistência da OAB/DF e Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB/PE.