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Gilmar Mendes, o Fim da Lava Jato e o Derretimento Silencioso do Compliance

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Durante sua participação na Brazil Conference, o ministro Gilmar Mendes afirmou ter orgulho de ter participado do “desmanche da Lava Jato”, classificando a operação como “organização criminosa” e reiterando que o que se fazia em Curitiba era “criminoso”. As palavras são fortes. Mais do que uma crítica, são uma sentença moral, política e institucional contra uma das maiores iniciativas de combate à corrupção da história recente do país.

Mesmo os críticos da Lava Jato — e sou um deles — reconhecem que ela representou uma inflexão histórica. Trouxe o setor privado para o centro da discussão penal, inaugurou programas de integridade corporativa, ampliou a cultura de compliance e colocou o risco criminal na matriz decisória de grandes empresas. Com a destruição completa da operação, a mensagem transmitida ao país é simples e direta: seguir as regras virou um ato de fé, não de cálculo racional.

Gary Becker, em seu clássico artigo Crime and Punishment: An Economic Approach, mostrou que a obediência às leis não decorre de virtudes cívicas abstratas, mas de incentivos concretos. A violação da norma entra no mesmo cálculo de custo-benefício de qualquer outra decisão racional. Se a punição é certa e severa, o crime recua. Se a punição é improvável ou inexistente, o crime se torna racional — e, portanto, recorrente. O compliance corporativo, nesse sentido, é filho da expectativa de punição. Sem ela, não há programa ético que sobreviva.

O que Gilmar faz, ao celebrar o “desmanche” da Lava Jato, é romper esse elo de racionalidade. E mais: ao normalizar práticas semelhantes às que antes criticava — como a fusão entre investigador e julgador, agora nas mãos de Moraes — mostra que o problema não está no método, mas no alvo. Quando o réu é da esquerda, garantias. Quando é da direita, inquisidor. Não há mais critério: há conveniência.

Essa lógica destrói a ideia de sistema jurídico. Porque um sistema é, por definição, um conjunto ordenado de princípios que se aplicam a todos, mesmo contra nossas preferências. Quando o intérprete se permite decidir com base em quem está no banco dos réus — e não no que está na Constituição — ele não aplica a lei: ele distribui favores.

O Brasil está, assim, deixando de ser um país com regras e passando a ser um país de ocasiões. Onde a garantia vira exceção, a punição vira espetáculo e o discurso jurídico se adapta ao réu da vez. Como prescreveu Becker, a punição perde seu caráter dissuasório quando se torna errática ou seletiva. E é exatamente isso que Gilmar celebra — com orgulho.

E por isso o dano vai além da Lava Jato, além de Curitiba, além de Moro. É o compliance que murcha, é o futuro que se desorganiza. Porque, sem previsibilidade, ninguém investe em integridade. E sem integridade, não há mercado que funcione. Gilmar pode festejar o que quiser. Mas o preço da festa será pago por todos nós.

*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum

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