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Estamos todos unidos contra a suposta camisa vermelha da Seleção

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O site de jornalismo esportivo Footy Headlines tem um histórico de publicar com exclusividade aparentes boatos que depois se revelam verdades. Então, quando ele publicou ontem que na Copa 2026 a Seleção Brasileira de Futebol terá em sua camisa “uma ousada cor vermelha pela primeira vez na história”, a repercussão foi imediata.

Com fonte anônima, o veículo inglês disse que a camisa vermelha seria produzida pela marca Jordan e exibiu o conceito do escudo da CBF, além de uma silhueta de Michael Jordan que dá nome à marca, sobre um fundo vermelho de alta saturação.

O narrador Galvão Bueno reagiu no mesmo dia, em seu programa na Band. “Transmiti 52 jogos do Brasil. Acho que tenho algum direito de falar, embora não tenha tido a honra de vestir”, disse o apresentador. “Isso é uma ofensa sem tamanho à história do futebol brasileiro”.

Galvão alegou que há um plano de extinção para a camisa azul, a alternativa ao amarelo canarinho do uniforme principal. Ele também leu um trecho do regulamento da CBF que só prevê que as cores da bandeira da entidade, as mesmas da bandeira do Brasil, sejam usadas no uniforme.

Não preciso explicar para meu safo e sofisticado leitor a simbologia política disso. Nas ruas brasileiras, há anos, as cores da bandeira, e a própria camisa canarinho, são usadas pelos apoiadores de Jair Bolsonaro. O vermelho é associado aos apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva e seu partido. Goste-se disso ou não, assim como é o uso que faz o significado das palavras, o uso afeta a mensagem contida nos símbolos.

A manchete malandra da CNN e o antibolsonarismo psicótico

Porém, a distribuição das opiniões sobre a camisa vermelha não foi tão previsível a partir da polarização política, embora a CNN Brasil tenha tentado emplacar essa associação com uma manchete lamentável: “Bolsonaristas criticam possível camisa vermelha da Seleção Brasileira”.

A reportagem com esse título, tecnicamente, é imparcial. Mas, convenhamos, não nascemos ontem: a escolha do termo “bolsonaristas” no título é editorial, uma escolha do autor do texto que provavelmente tem tudo a ver com a forma como ele enxerga esse movimento político.

Sentindo a conotação pejorativa na manchete, apoiadores de Bolsonaro influentes como a youtuber Bárbara Destefani reagiram: “Sim, Galvão, Casagrande e Guga Chacra… símbolos do bolsonarismo”, ela comentou com sarcasmo no X.

Walter Casagrande, ex-jogador e comentarista esportivo, tem sofrido do problema que o diplomata Gustavo Maultasch chamou de “antibolsonarismo psicótico”. Mais que uma oposição, é uma aversão exagerada e irracional ao ex-presidente, a quem Casagrande já chamou de “um dos piores brasileiros que existem no planeta”. Jogadores que apoiaram o político, como Kaká e Rivaldo, viraram alvo de acusação do comentarista de “apoiarem um golpe”. Casagrande não apoiou a camisa vermelha.

O colunista Guga Chacra é um caso parecido: alegou em 2021 que “Bolsonaro é uma figura tóxica no Ocidente”. Eu gostaria que os progressistas abrissem um pouco o dicionário, para descobrirem que existem outros adjetivos pejorativos além de “tóxico”.

Chacra também detestou a notícia da camisa rubra. “Meu Deus, o que vermelho e preto têm a ver com a seleção brasileira?? Para que mudar o uniforme número 2? O azul sempre foi lindo”. Nessa, concordo plenamente, meu caro colega do cabelo rebelde.

Galvão, na política, é mais discreto, mas sinalizou que votaria em Lula em 2022. Não seria justo dizer que ele sofre de antibolsonarismo psicótico, mais correto é dizer que não comunga das ideias do ex-presidente.

A checagem de factos e nosso momento de união contra a rubra

Hoje, o próprio Footy Headlines emitiu uma correção: que a Seleção usou uma camisa vermelha, sim, há mais de cem anos, entre 1917 e 1919. Também amenizou o tom de dizer que a escolha é ousada: “a cor vermelha tem profundas raízes na identidade nacional brasileira, já que o nome do país vem do pau-brasil, uma árvore conhecida por produzir uma tintura vermelha”.

Aí forçaram a amizade. Seja sincero: quantas vezes por ano a palavra “Brasil” faz você pensar em “brasa” e na cor vermelha? Há poucos dias lembrei numa conversa da raiz do nome do nosso país, mas ao ler essa explicação do site, por mais que esteja correta, ainda fico um pouco surpreso. Porque na minha cabeça, assim como provavelmente na sua, pensar em Brasil não vem acompanhado de vermelho, mas de verde, amarelo, azul e branco.

A CBF ainda está quieta, sem pronunciamento público a respeito, seja para confirmar ou desmentir. Minha aposta é que a camisa vermelha já traz em si a semente de sua destruição, parafraseando o Karl Marx que apareceu nos vários memes a respeito.

Estaremos unidos, não polarizados, todos contra o vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão. Ao contrário do que cantou Fafá de Belém, não vermelhou a paixão pela Seleção, nem o fogo de artifício da vitória.

Isso até eu mencionar o vermelho do batom da Débora Rodrigues dos Santos. Aí, voltamos a brigar.

Tem também uma questão para nos enrubescer, de raiva ou vergonha, que envolve o presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol, para quem não sabe), Ednaldo Rodrigues, e uma certa decisão do ministro Gilmar Mendes que o colocou de volta nesse cargo após um afastamento.

Em outra mostra de que os ministros do STF não sabem mais o que é “conflito de interesse”, o Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP), cofundado por Mendes, tem um contrato milionário de parceria com a mesma CBF. O contrato foi assinado por ninguém menos que o filho do Gilmar, diretor do IDP.

Mas vamos esquecer isso por um momento e curtir nossa união contra a camisa vermelha, por favor? Só mais um pouquinho.

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