Claudio Dantas
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Desafinado está o Poder

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O editorial do Estadão desta sexta-feira acerta ao denunciar o conflito de interesses evidenciado pela presença do ministro Luís Roberto Barroso numa confraternização privada com empresários que têm interesses diretos em ações sob julgamento do Supremo Tribunal Federal. Mas o problema é mais profundo: a irritação recorrente do ministro diante de críticas revela um desprezo inquietante pela liturgia do cargo que ocupa.

Não é a primeira vez que Barroso reage publicamente a editoriais de jornal, a matérias da imprensa internacional ou a comentários de colunistas. Já publicou artigo atacando o próprio Estadão, já respondeu com notas oficiais à The Economist e, mais recentemente, resolveu dar explicações — como se a crítica institucional precisasse de refutação — sobre sua participação no jantar do iFood, travestido de cerimônia de boas intenções. Isso tudo seria apenas patético, não fosse também sintomático. Barroso parece não compreender que um juiz não está na arena da retórica, mas na contenção que o cargo impõe.

Outro dia assisti a uma longa entrevista do saudoso Justice Antonin Scalia. Diante da pergunta sobre como reagia às críticas da imprensa, ele contou que já havia escrito centenas de cartas ao Washington Post rebatendo colunistas. O entrevistador ficou visivelmente surpreso: ninguém jamais ouvira falar dessas cartas. Scalia então sorriu e explicou: escrevia para aliviar a irritação, para seu próprio prazer — e rasgava tudo depois. Nunca enviara nenhuma. O juiz, dizia ele, fala nos autos. Não rebate imprensa. Não disputa narrativa. E completava: essa é, aliás, a conduta de todos os juízes da Suprema Corte americana, que se resguardam do espetáculo e fogem dos holofotes.

Scalia estava certo. E o contraste com Barroso é gritante. Enquanto ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos se pronunciam apenas por meio de votos, pareceres e conferências jurídicas sobre temas do passado — sempre comedidos e institucionais —, o ministro brasileiro se entrega ao palco. Adora um microfone. Frequenta talk shows. Faz piadas em sabatinas. Participa de festividades que não combinam com a discrição exigida pelo cargo. Não bastasse isso, ainda se zanga com a crítica e tenta responder a tudo com notas, falas ou ironias públicas. E quanto mais reage, mais expõe a fragilidade de sua compreensão institucional.

O caso recente é emblemático. Um vídeo o mostra cantando e confraternizando com empresários cujos negócios dependem diretamente de decisões do Supremo. Entre eles, o anfitrião da festa, Diego Barreto, presidente do iFood. Em qualquer país que leve a sério a aparência de imparcialidade, a cena seria motivo de perplexidade — não apenas pela proximidade, mas pela simbologia: a toga ali se converte em adereço de ocasião. E o ministro, em vez de reconhecer o erro, rebateu chamando os críticos de “incultos”. O problema, disse, era que no Brasil faltava cultura. Como se a crítica ao comportamento de um juiz decorresse de ignorância popular — e não de um padrão civilizatório mínimo.

Mas a questão não é cultural. É institucional. Quando a imagem de um presidente do Supremo Tribunal Federal confunde-se com a de um personagem midiático, algo se perdeu no caminho. Um juiz deve falar pelo Direito. E somente pelo Direito. Sua vida pública não pode ser um palco. Sua função não admite protagonismo pessoal. A autoridade judicial se sustenta pela sobriedade, pela contenção e, sobretudo, pela consciência de que o respeito ao cargo não se exige: conquista-se.

A verdade é que Barroso pode até ser bem-intencionado. Pode acreditar estar servindo à República. Mas quem de fato preza pelos valores republicanos não se ofende com o jornalismo crítico. Melhor faria se trocasse as vaidades pelo silêncio institucional — e a afetação performática pelo respeito aos limites da função. Porque, no fim, como já dizia o Eclesiastes: vaidade, tudo é vaidade. E desafinado está o Poder quando confunde a autoridade do cargo com o brilho dos refletores.

*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum.

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