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Argentina elimina controle cambial: Milei aposta na “fase 3”

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A inacessibilidade foi tamanha que nem os ministros sabiam o que seria anunciado. Reunidos na Casa Rosada para uma foto institucional, descobriram as medidas ao vivo pela TV, como o resto dos argentinos. O governo de Javier Milei, fiel ao estilo disruptivo, lançou na sexta-feira à noite a terceira fase de seu plano econômico, com fim do controle cambial e apoio formal do FMI.

O anúncio foi cuidadosamente orquestrado fora do horário do mercado. O chamado “triângulo de ferro” — Milei, o ministro da Economia Luis Caputo e o presidente do Banco Central Santiago Bausili — manteve sigilo absoluto para garantir a liberação dos recursos externos.

A estratégia agora é clara: atacar o problema fiscal, reduzir drasticamente a quantidade de pesos em circulação e capitalizar o Banco Central, o BCRA. O plano foi projetado para romper de vez com o populismo econômico do kirchnerismo e do peronismo.

“Não nos importa o que acontecer no primeiro dia porque estamos convencidos da sustentabilidade do plano”, declarou Caputo, minimizando eventuais oscilações do dólar. Ele lembrou que, no início do mandato, “muitos apostaram em um dólar a 3 mil pesos e quebraram a cara”.

Segundo seus cálculos, a base monetária atual está em torno de 30 trilhões de pesos (US$ 23 bi), e o câmbio “real” deveria oscilar entre 650 e 950 pesos. A partir de agora, o dólar flutuará dentro de uma banda entre 1.000 e 1.400 pesos, com ajuste de 1% ao mês e liberdade para o BCRA intervir fora desse intervalo.

Com o novo regime cambial, o controle sobre operações com o dólar será amplamente suspenso. Pessoas físicas terão acesso livre à moeda americana, enquanto empresas poderão repatriar lucros a partir de 2025. Acabam o “dólar blend” e o regime especial para exportadores do agronegócio. Já o dólar turismo será mantido com sobretaxa, espelhando o modelo brasileiro.

Apesar da liberação cambial, a palavra “imposto” segue proibida no vocabulário do presidente libertário. O governo manterá a alíquota de 30% de IR nas compras com cartão no exterior, mas trata o tema como “percepção”, não tributação.

Na terça-feira, o governo receberá US$ 12 bilhões do FMI. Outros US$ 3 bilhões virão entre junho e o fim do ano, somando US$ 15 bilhões — 75% do pacote acordado com o Fundo. Organismos multilaterais contribuirão com mais US$ 4,6 bilhões, e o setor privado, com US$ 2 bilhões via empréstimos repo. A meta: blindagem cambial de US$ 23,1 bilhões em 2025.

Para fortalecer o caixa, Caputo elevou a meta de superávit primário de 1,3% para 1,6% do PIB. “A quantidade de dinheiro é o que determina o nível de preços. A inflação vai despencar rapidamente”, repetem na Casa Rosada.

Na prática, o governo aposta na redução da absorção interna — ou seja, menos consumo, menos gasto estatal. Nada de aumentar impostos. A prioridade é cortar. Caputo já escolheu os setores onde vai passar a “motosserra oficial”.

A inflação de março foi de 3,7%, a mais alta desde agosto de 2024. Segundo o governo, o índice foi influenciado por fatores sazonais e pela “instabilidade na demanda por pesos”, interpretada como tentativa de sabotar o plano econômico. Milei vê “forças internas e externas” agindo para impedir que a Argentina vire o jogo.

Mesmo em meio a uma nova guerra comercial entre EUA e China, Milei tenta se posicionar como parceiro confiável de Washington. A Argentina vai aplicar tarifa zero para 50 produtos exportados, após acatar sugestões do Escritório de Comércio dos EUA.

Mas o governo admite: o país segue sendo uma das economias mais fechadas do mundo. E a melhora da conta corrente não virá com disparada do câmbio, mas com mais cortes e disciplina fiscal. “Temos uma vocação infinita para o pagamento da dívida”, garantem.

Com eleições legislativas pela frente, Milei quer ampliar sua base no Congresso para aprovar reformas impopulares, como a trabalhista, a previdenciária e a tributária. O projeto é ambicioso e enfrenta resistências, mas o governo aposta no apoio popular à austeridade — e na exaustão do povo com décadas de intervencionismo estatal.

** Com informações do jornal La Nación

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