Dados apontam ação coordenada para abafar críticas e dominar narrativa pública
Um relatório técnico detalha uma operação de propaganda digital em larga escala, com indícios de artificialidade, para apoiar o governo Lula durante a crise diplomática com os Estados Unidos. A análise de 1,66 milhão de posts na plataforma X (antigo Twitter) aponta uma rede de perfis que geraram um volume massivo de conteúdo para abafar críticas ao petista e atacar a oposição.
Entre 9 e 14 de julho, 149.850 usuários únicos produziram 1,66 milhão de publicações com slogans pró-governo, como “ESTAMOS COM LULA” e “BOLSONARO TAXOU O BRASIL”. Um grupo de apenas 1.000 contas, os “superpublicadores”, respondeu por 515.270 posts, ou 31% do total.
A eficácia de campanhas de desinformação ou de propaganda digital não residiu apenas no conteúdo das mensagens, mas na arquitetura de sua disseminação. A análise dos dados da campanha petista aponta uma estrutura industrial, projetada para simular apoio orgânico em larga escala por meio da concentração de atividade em um pequeno número de contas hiperativas e da utilização de padrões de publicação que sugerem automação.
A operação parece ter sido desenhada não para convencer, mas para dominar o ambiente informacional, criando uma percepção distorcida do debate público.

Perfis como @GilsonAraj90635 (5.641 posts) e @ZATANGOIES (5.149 posts) atingiram picos de uma postagem a cada 1,4 segundos, um padrão incompatível com comportamento humano espontâneo.
A operação ocorreu após tarifas de 50% impostas por Donald Trump, em retaliação à política externa de Lula. Internamente, o governo enfrentava rejeição de 50,3%, conforme pesquisa AtlasIntel.
Em vez de debater as causas da crise tarifária, ligadas às opções de política externa do governo, a máquina de propaganda criou uma contranarrativa simples, de forte apelo emocional e factualmente questionável: a culpa pela taxação era do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.
A nuvem de termos e as frases mais repetidas, que constam no relatório, são dominadas por slogans como “BOLSONARO TAXOU O BRASIL”, a hashtag “#BOLSOTAXA”, e a acusação genérica de “TRAIDORES DA PATRIA”. As capturas de tela dos posts dos “superpublicadores” demonstram a repetição incessante e coordenada dessas mensagens, disseminadas por meio de retuítes em massa e publicações idênticas.
Um usuário genuíno, mesmo que politicamente engajado, tende a ter um padrão de publicação mais distribuído ao longo do dia, intercalado com outras atividades. As “rajadas”, ao contrário, sugerem uma estrutura que é ligada com o propósito de impulsionar uma hashtag ou uma narrativa específica até que ela atinja os trending topics, e depois é desligada até a próxima missão.

Ao inundar as redes sociais com um volume maciço de mensagens alinhadas, a campanha buscou fabricar uma realidade paralela na qual a posição do governo Lula é a opinião pública dominante. A tática, conhecida como “manufatura de consenso”, pode ter múltiplos efeitos: desmoralizar a oposição, influenciar a cobertura da imprensa, que monitora os “assuntos do momento”, e moldar a percepção de indecisos, que podem confundir volume com legitimidade. A estratégia não é ganhar o debate, mas torná-lo inaudível sob o peso da propaganda. O relatório conclui que a operação reforça a hipótese de militância remunerada ou instrumentalizada, configurando um caso de astroturfing.
A campanha mostra a sofisticação das milícias digitais (ou gabinete do amor?) no Brasil, ao fabricar apoio, a operação mina a confiança no debate público, substituindo vozes autênticas por propaganda petista.