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Progressistas encastelados na genética difamam a mestiçagem brasileira

Há exatos cinco anos, Lygia da Veiga Pereira, uma geneticista da Universidade de São Paulo, anunciou com colegas o Projeto DNA do Brasil. A missão era extrair a sequência do DNA completo (genoma) de 15 mil brasileiros. Agora, o programa já sequenciou* o genoma de três mil pessoas entre 35 e 74 anos.

A justificativa para o projeto, disse a Dra. Pereira na época à Veja, era que os estudos realizados no exterior eram geralmente baseados em pessoas de ascendência europeia. “A população brasileira é muito miscigenada, resultante de uma mistura de europeus, índios e africanos”, lembrou a cientista. “Por isso, esses estudos não se aplicam bem à nossa genética”.

Depois da convulsão identitária (woke) e racial que fechou o primeiro semestre de 2020 nos EUA, os resultados preliminares do estudo da USP começaram a ser usados pelos progressistas na imprensa e redes sociais para lacrar no Brasil.

O uso da genética para a lacração identitária

A lacração teve a seguinte forma: “Estupro de mulheres e indígenas deixou marca no genoma dos brasileiros”, como colocou uma manchete da revista Superinteressante em outubro de 2020, que informou que a meta agora era de 40 mil genomas. Tábita Hünemeier, outra geneticista da USP parceira de Lygia no projeto, disse à revista que “O que acontecia era matar ou subjugar os homens e estuprar as mulheres”.

A genética não dispõe de métodos que decifrem em que condições se deu a reprodução, não tem como afirmar que qualquer criança é resultado do estupro. Por que, então, a alegação? É que o Projeto DNA do Brasil descobriu que 75% da herança paterna dos mestiços brasileiros é europeia, e dois terços (divididos quase igualmente) da herança materna são de origem negra africana e indígena.

Se você já notou que está na moda entre progressistas identitários alegar que qualquer “desproporção” racial em algum grupo só pode resultar do racismo, como quando acusaram a empresa Ável Investimentos de racismo por uma foto dos funcionários que acharam “branca demais”, o raciocínio aqui é o mesmo, se é que podemos chamar de raciocínio.

Se há muita Europa e pouca África no DNA dos nossos avôs homens, pensam os progressistas identitários, é porque os homens negros e indígenas foram mortos e subjugados; se há muita África e Pindorama no DNA das nossas avós, é porque elas foram estupradas por esses europeus.

Por que a lacrada estava errada

É claro que a participação do estupro na reprodução de qualquer população não é zero, mas a sugestão politicamente motivada para ressaltar a vitimização de minorias raciais é que o estupro seria uma das causas mais importantes. Como colocou a Superinteressante, sem apresentar evidência nenhuma: “O estupro de mulheres negras e indígenas escravizadas era o padrão”. É a revista “científica” avançando uma crença eminentemente política sem evidências, mas já estamos acostumados com isso.

Antes de elencar as hipóteses alternativas e mais plausíveis que o estupro para o padrão da mestiçagem brasileira, vou destacar a primeira delas por ter o maior apelo intuitivo.

Se os progressistas tivessem razão, seria o primeiro caso da história do planeta, fora do contexto de guerra, de mulheres que encontram homens estrangeiros mais ricos que sua população nativa e só fazem sexo com eles se forçadas.

O estupro é uma explicação improvável para a mestiçagem brasileira porque:

  • O Brasil começou com os genros europeus de caciques tupis, como explica Jorge Caldeira, membro da Academia Brasileira de Letras, em seu livro História da Riqueza no Brasil (Estação Brasil, 2017).
  • Por muito tempo, as mulheres europeias foram uma presença rara nas embarcações que vinham para o Brasil.
  • Os maiores estudos comparados entre culturas mostram que uma das características que as mulheres mais acham atraentes em homens é a capacidade de adquirir recursos. Certamente era uma capacidade muito clara em europeus que chegavam em embarcações sofisticadas empunhando machados de ferro muito valiosos para os índios. Logo, havia incentivo para as mulheres indígenas e, posteriormente, negras escravizadas para escolherem homens europeus.
  • Mesmo em situações em que havia senhores brancos de escravas negras, as evidências indicam que a maioria dos homens não gosta de forçar sexo sobre as mulheres, eles preferem sinais de que a parceira está consentindo e gostando. A alegação sobre o estupro ser a causa principal da miscigenação, portanto, é por tabela uma demonização da sexualidade masculina.
  • Um estudo mostrou que algo aconteceu há 50 mil anos em populações fora da África que substituiu todas as linhagens paternas por descendentes de homens do sudeste asiático. É mais plausível que esses homens tenham tido sucesso em atrair as mulheres das outras regiões, ou substituir as populações locais pela migração, do que uma horda de estupradores varrendo o planeta. Em resposta a esse argumento meu, um progressista tentou, nas redes sociais, associar isso a Gengis Khan. Ele errou a data só por 49 milênios.

Lygia, ao contrário dos colegas, toma mais cuidado

Outro descuidado foi o geneticista Renan Barbosa Lemes, outra cria da USP, que ao comentar um estudo similar da empresa de genômica pessoal Genera disse à Folha de S. Paulo, em novembro de 2023, que “Nessa cultura do estupro normalizada durante a colonização, homens europeus tinham filhos com mulheres negras vindas da África ou com as indígenas, que também eram escravizadas”. Mais uma vez: a genética não dispõe de métodos para fazer essa afirmação, e historiadores sérios do Brasil sabem que não é possível afirmar que o estupro foi especialmente importante na miscigenação. “Cultura do estupro”, aliás, é jargão feminista.

Ao contrário de Hünemeier e Lemes, Lygia Pereira é mais cautelosa ao conversar com a imprensa sobre seus resultados. Em vez de acusar a mistura brasileira de contaminação moral com o estupro, a geneticista disse em sua entrevista recente à Deutsche Welle que o padrão da mistura genética brasileira “é uma cicatriz de uma colonização, de um povo dominante sobre povos dominados”. Ainda é uma opinião política, mas não encontrei nenhuma manifestação em que a cientista falasse explicitamente em estupro neste caso.

Há oito anos, antes de o projeto ser anunciado, Pereira disse à revista Época que “o cientista precisa informar a população sem viés ideológico”. É um nobre sentimento, mas, como estamos vendo, é difícil de seguir.

Tentar ser politicamente neutro para alguém imerso em um ambiente com uma ideologia política dominante, como o progressismo, vira problema quando se desconhece campos inteiros do pensamento político como o conservadorismo e o libertarianismo (que não são bem-vindos nas universidades). O resultado é que são emitidas opiniões políticas da própria tribo sem perceber. Ou percebendo, mas superestimando o poder da própria tribo de impor sua opinião.

Eu também sei lacrar

Notei um padrão dentro de um grupo influente de divulgadores científicos e cientistas que apostaram na tese radical do estupro como explicação principal ou única para a miscigenação brasileira. Muitos deles têm sobrenomes raros no Brasil: Hünemeier, Hotta, Iamarino.

Sobrenomes que indicam que seus ancestrais chegaram aqui há menos tempo que os Silvas, Souzas, Oliveiras, Vieiras. Imaginem se gostássemos de lacrar, aqui: que problematizações épicas não poderíamos formar com isso — imigrantes recentes de países ricos dizendo que a população local é filhote de estupro? Ainda bem que, aqui, não gostamos de lacrar, embora saibamos como.

Provocações à parte, o que interessa nem é evitar insultos a mestiços como eu. Se fosse verdade, seria verdade doa a quem doer. Mas, como mostramos, a tese do estupro como causa importante o suficiente da miscigenação para ter prioridade de menção é completamente furada, do ponto de vista científico em si.

P.S.: Confiram minhas respostas anteriores à hipótese furada do estupro: em 2020, e em 2023.

* Como o DNA é uma molécula muito longa, uma fita em hélice dupla, formada por quatro blocos construtores diferentes, faz sentido representá-lo como uma sequência de letras em computador (“ATCG…”), daí “sequenciar”. Em cada célula, temos 46 fitas de DNA, que são os cromossomos, além de um DNA circular que fica dentro das mitocôndrias, pequenos “órgãos” que produzem energia. Herdamos o DNA das mitocôndrias por parte de mãe, e metade dos cromossomos de cada pai. Quanto aos cromossomos sexuais, as meninas herdam um X do pai e um X da mãe, e os meninos herdam um X da mãe e um Y do pai — o Y contém genes determinantes para o desenvolvimento das características sexuais masculinas.

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Eli Vieira

Eli Vieira

Respostas de 3

  1. Caro Eli, quero corroborar seus argumentos contando o caso da minha família, ou seja, da família ALBUQUERQUE. Em nossa árvore genealógica temos o nosso primeiro ancestral português, Dom Jerônimo de Albuquerque, que veio para o Brasil na comitiva do primeiro donatário da Capitania Hereditária de Pernambuco, Duarte Coelho, que era seu cunhado, casado com sua irmã Brites de Albuquerque, aportados em Olinda ainda em 1535.
    “Jerônimo de Albuquerque fazia parte de uma expedição, com o fim de pacificar os índios Tabajaras, dos quais era o cacique – Tabira Uirá Ubi (arco verde). O fidalgo Jerônimo caiu ferido e ficou prisioneiro do rei Tabira, escapando com a vida, no entanto, a pedido da princesa Muyrá-Ubi, filha de Tabira, a quem Jerônimo tinha sido entregue aos seus cuidados. No entanto, condenado à morte, “(…)quando o índio alçava a clava fulminadora, Muirá Ubi surge da multidão e se opõe à consumação do sacrifício. O pai interpela-a sobre as razões do seu gesto e ela, apontando o coração com aguda seta, responde altivamente: -“Amo-o e, se o matarem, me matarei também”, pedindo-o como marido. O casamento selou a paz entre os Tabajaras e os colonizadores portugueses, e tiveram 8 filhos. Muira Ubi foi batizada no dia de Pentecostes e em homenagem à data recebeu o nome de ‘Maria do Espírito Santo Arco Verde’, com ela Jerônimo teve 8 filhos.E posteriormente aos 54 anos, em 1562, casou-se com dona Felipa de Mello, a mandado da Rainha de Portugal, e com quem teve 11 filhos. Isto lhe valeu o apelido entre os historiadores brasileiros de “Adão Pernambucano”.
    Oficialmente, Jeronimo de Albuquerque, deixou 35 filhos (todos registrados), 125 netos e 220 bisnetos. Seu Testamento está publicado em “Memórias Históricas da Província de Pernambuco” de 1884. São descendentes de Jerônimo as famílias nordestinas dos Albuquerque, Cavalcanti, Barroso, Holanda, Maranhão, Barros, Barreto, Coelho, Diniz, Mello, Carvalho. Atualmente encontramos mais de 1,613,766 registros do sobrenome Albuquerque.
    Na árvore genealógica se encontram os registros de casamento dessa linhagem, nos registros da Igreja Católica de Pernambuco, Ceará, Piauí, Maranhão, Paraíba e outros Estados do Brasil, com generosa descendência registrada, contrapondo a narrativa das “cientistas” sobre est*p8*.
    Espero ter ajudado.
    Fontes:
    1. Nobiliarchia Pernambucana, de Antonio Jose Victoriano Borges da Fonseca. Coleção Mossoroense, serie C, volume 819, 1992.
    2. Revista Trimetral do Instituto Histórico e Geográfico. A chegada dos primeiros Albuquerques ao Brasil. Tomo 2, parte 1, 1889, p. 89.
    3. Diário de Pernambuco. Genealogia Pernambucana. Por Mário Melo (Secretario Perpetuo do Instituto Archeologico Historico e Geographico Pernambucano), sabbado, 7 de novembro de 1925.
    4. http://buratto.net/doria/Albuquerques.pdf
    5. https://cjbrasil.org/jeronimo-de-albuquerque-o-adao-pernambucano-e-a-origem-multietnica-do-homem-nordestino/
    6. https://pdfcoffee.com/desbravadores-da-capitania-em-pernambuco-zilda-fonsecapdf-pdf-free.html
    7. Bittencourt, Adalzira. Genealogia e linhagem dos Albuquerque-Cavalcanti. Revista Genealógica Latina, v. 8-11, p. 223-225
    8. 1. Bittencourt, Adalzira. Genealogia dos Albuquerques & Cavalcantis. Ed. Livros de Portugal S.A. Rio de Janeiro: R. J. 1965.
    9. Edilásio Cavalcanti – Genealogista, Historiador e Pesquisador.

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