Governos estaduais, prefeituras, fornecedores de tratores e caminhões, além de ONGs, dominam a destinação de emendas parlamentares nos últimos cinco anos, abocanhando bilhões de reais em repasses do Congresso.
Os municípios foram os principais beneficiados, recebendo mais de R$ 103 bilhões dos R$ 150 bilhões pagos em emendas desde 2020, segundo levantamento feito pela Folha e divulgado nesta quarta-feira (26). A falta de transparência nesses repasses gerou embates entre o Congresso e o STF, paralisando a distribuição por meses.
Entre os casos mais emblemáticos, a pequena São Luiz do Anauá (RR), com 7.777 habitantes, lidera em verbas proporcionais, recebendo R$ 16,2 mil por morador – um total de R$ 126,2 milhões –, enquanto sua previsão orçamentária para 2025 é de apenas R$ 51,9 milhões.
Em números absolutos, Macapá (AP) encabeça a lista, com mais de R$ 610 milhões destinados. O estado tem forte influência de políticos como Davi Alcolumbre (União Brasil) e Randolfe Rodrigues (PT), protagonistas na divisão das emendas.
O destino dos recursos revela o interesse em ações de impacto imediato, como a compra de tratores. Três das cinco empresas mais beneficiadas com emendas são fornecedoras de máquinas e veículos. A campeã, a chinesa XCMG, faturou mais de R$ 800 milhões desde 2020, fornecendo equipamentos comprados pela Codevasf e distribuídos conforme a conveniência política.
O esquema de distribuição das máquinas tem sido alvo de críticas e investigações. Em Itatim (BA), cidade que recebeu diversas doações de tratores, o uso dos equipamentos virou munição política local.
Além das empresas, ONGs também figuram entre os grandes recebedores de emendas, acumulando pelo menos R$ 5,9 bilhões. A Fiotec, ligada à Fiocruz, lidera o ranking com R$ 464,4 milhões, sendo R$ 290 milhões vindos de emendas de relator, prática considerada inconstitucional pelo STF em 2022.
A ONG Con-tato, que recebeu mais de R$ 137 milhões, teve suas contas questionadas pela CGU, que apontou falhas na transparência e na governança. “Os mecanismos de governança da ONG Con-tato demonstraram ser frágeis, com nível inadequado de transparência e fiscalização”, afirmou o órgão. A entidade defendeu que “a fiscalização é natural e positiva”.
A influência do Congresso sobre o Orçamento cresceu ao ponto de tornar ministérios dependentes de emendas para cobrir despesas. O Ministério dos Esportes, por exemplo, teve 74% de seus recursos discricionários em 2024 bancados por parlamentares.
A explosão no pagamento de emendas quadruplicou os repasses em comparação com o ciclo de 2015 a 2019. Os recursos abastecem fundos municipais de saúde e infraestrutura, servindo como ferramenta política para prefeitos e governadores.
Em Parintins (AM), cidade que recebeu R$ 200 milhões, o ex-prefeito Frank Bi Garcia (PSD) admite que as emendas se tornaram a principal fonte de investimentos. “Os ministérios têm poucos recursos a oferecer. É raro conseguirmos investimentos de proposta voluntária”, afirmou.
Procuradas, as prefeituras de São Luiz do Anauá e Macapá, além da XCMG, não responderam.