Por Marcelo Pessoa*
Ontem, voltou a circular no X uma reportagem da BBC News Brasil publicada originalmente em 2022 e republicada em dezembro de 2024. Esse texto tenta dar resposta à pergunta: “Por que Jesus ‘deu certo’ e tantos outros aclamados messias de seu tempo ficaram pelo caminho?”
De fato, essa é uma boa questão. Para encontrar a resposta correta, é necessário honestidade, conhecimento de fatos históricos e, sobretudo, abertura à possibilidade de que o materialismo esteja errado.
Nesse sentido, a reportagem apresenta algumas proposições (entre aspas, em itálico) que merecem revisão. Vejamos:
“Por que os outros tantos messias não tiveram o mesmo sucesso com suas palavras e ensinamentos?”
Ora, o sucesso de Jesus não se explica apenas por suas palavras e ensinamentos, mas por sua identidade. Afinal, Cristãos não O seguem como filósofo ou pensador, mas como Deus encarnado.
“A universalidade do cristianismo… não foi mérito exatamente de Jesus, mas de seus primeiros seguidores.”
A difusão do cristianismo pelo mundo não foi mérito de Jesus? Ora, apóstolo significa “enviado”. Quem os enviou? Nos Evangelhos, Jesus diz:
“Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações…” (São Mateus 28, 18).
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (São Marcos 16, 15).
“…E que, em seu nome, se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações…” (São Lucas 24, 47).
“…Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (São João 20, 21).
De fato, a evangelizacão é missão dada diretamente por Jesus a cada um dos seus discípulos.
“Seguidores estes que se espalharam e se tornaram disseminadores dos ensinamentos adquiridos junto àquele líder carismático..”
Jesus não se apresentou como mero líder carismático. Como bem observou C.S. Lewis em Cristianismo Puro e Simples, aceitá-lo apenas como mestre moral ignora a radicalidade de suas afirmações sobre si mesmo. Ou Ele era quem dizia ser — o Filho de Deus — ou era um impostor ou louco. Não há meio-termo confortável.
“Esse anúncio proporcionou a abertura de um movimento, de exclusivamente intrajudaico, para um movimento que ganharia contornos universais…”
Na verdade, a universalidade já estava presente na atuação de Jesus. Seus seguidores aprenderam essa perspectiva do ser humano com Ele. Por exemplo, Jesus dialoga longamente com uma samaritana, algo evitado por judeus, e prega para samaritanos:
“Aquela samaritana lhe disse: ‘Sendo tu judeu, como pedes de beber a mim, que sou samaritana!…’ (Pois os judeus não se comunicavam com os samaritanos.)… Muitos foram os samaritanos daquela cidade que creram nele por causa da palavra da mulher…Ainda muitos outros creram nele por causa das suas palavras”. (São João 4, 9-42)
Cura o servo de um centurião romano, elogiando sua fé:
“Um centurião veio a ele e lhe fez esta súplica: ‘Senhor, meu servo está em casa, de cama, paralítico, e sofre muito’. Disse-lhe Jesus: ‘Eu irei e o curarei’. Respondeu o centurião: ‘Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa. Dizei uma só palavra e meu servo será curado.’…Ouvindo isto, cheio de admiração, disse Jesus aos presentes: ‘Em verdade vos digo: não encontrei semelhante fé em ninguém de Israel.’” (São Mateus 8, 5-12).
Cita profetas enviados aos gentios:
“Em verdade vos digo: muitas viúvas havia em Israel, no tempo de Elias, quando se fechou o céu por três anos e meio e houve grande fome por toda a terra; mas a nenhuma delas foi mandado Elias, senão a uma viúva em Sarepta, na Sidônia. Igualmente havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu; mas nenhum deles foi limpo, senão o sírio Naamã”. (São Lucas 4, 25-27)
Assim, Sua mensagem e Sua atuação ultrapassaram fronteiras étnicas e religiosas desde o início.
“Historicamente, houve uma quantidade muito grande de candidatos a messias… a ideia de que alguém viria libertar esse povo das agruras do domínio romano…”
De fato, a história registra movimentos messiânicos na Judeia tanto antes como depois de Cristo. Entretanto, todos terminavam com a morte do suposto Messias, como ocorreu com Simão Bar Giora, revolucionário judeu executado em Roma no ano 70 d.C. Invariavelmente, após a morte do líder, seus seguidores retornavam às suas atividades habituais ou passavam a seguir outro candidato.
Como em outros casos, a morte de Jesus pelos romanos era vista como uma prova definitiva de que Ele não era o Messias (Cristo, em grego) prometido pelas Escrituras para a salvação de Israel. Entretanto, para os judeus da época, havia ainda um agravante significativo: a forma como Ele foi morto. No capítulo 21 do livro do Deuteronômio, lemos:
“Quando um homem tiver cometido um crime que mereça a pena de morte, e for executado e pendurado num madeiro, o seu cadáver não poderá permanecer ali durante a noite. Tu o enterrarás no mesmo dia, pois aquele que for pendurado é maldito de Deus. Assim, não contaminarás a terra que o Senhor, teu Deus, te dá por herança.”
Sabemos que essa passagem era levada a sério, pois foram encontrados túmulos de criminosos judeus crucificados, quando se esperava que fossem lançados em valas comuns. O motivo de realizarem enterros adequados mesmo para facínoras crucificados — aqueles pendurados no madeiro — estava na crença de que seus corpos, por serem considerados amaldiçoados por Deus, poderiam contaminar a terra de Israel, representando um risco existencial para a nação.
Dessa forma, a morte de Jesus por crucificação não apenas provava cabalmente para seus discípulos que Ele não era o Cristo, como, principalmente, que havia sido amaldiçoado por Deus. Nisso, reside a dificuldade de explicar o fato histórico de o cristianismo – um movimento messiânico – ter surgido pouco após a crucificação e enterro do suposto messias e continuado a se espalhar indefinidamente por todo o mundo.
“Para Nogueira, ‘é uma questão difícil’ explicar porque Jesus sobreviveu aos séculos e seus contemporâneos de outras dissidências, não.”
Não é meramente difícil. De fato, é uma questão inexplicável se não aceitar o fato histórico da ressurreição de Cristo, a prova de que Jesus é Deus.
*Marcelo Pessoa é bacharel em Relações Internacionais (UnB) e doutor em Economia (EPGE-FGV).