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“Não binário”: STJ está se tornando um tribunal a serviço do identitarismo

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) está acumulando decisões que favorecem as ideias de uma minoria de ativistas da extrema esquerda, os identitários. Em fevereiro, a corte rejeitou um caso de injúria racial contra uma pessoa branca repetindo o vocabulário do identitarismo sobre “racismo estrutural”.

Ontem, a Terceira Turma do STJ autorizou a aplicação do termo “não binário” em documentos. Ou seja, é um ativismo judicial na direção de reconhecimento do “gênero neutro” pelo Estado.

“Esse ser humano deve estar sofrendo muito porque você sofrer cirurgia, tomar hormônios, converter-se naquilo que ela imaginava que seria bom para ela e depois ela se deu conta que não era também aquilo, não deu certo”, disse a ministra relatora do caso que levou à decisão, Nancy Andrighi.

Ela se refere à pessoa que motivou a decisão: uma mulher biológica que por um tempo esteve convicta de que queria transicionar para o gênero masculino, não ficou satisfeita após a transição, então pediu reconhecimento do “gênero não binário” em seus documentos.

A juíza alega ter feito “pesquisa” a respeito. Gostaria de saber que pesquisa é essa. Não há evidência de que declarar-se nem homem nem mulher (“não binário”) tenha base objetiva. Pelo contrário, as evidências sugerem que é uma moda ideológica. Vamos aos indícios.

O caso motivador da decisão já é em si uma evidência da moda ideológica

Por causa de seu viés político dominante, a academia resiste, até pela despublicação injusta de artigos científicos, mas há evidências de um fenômeno novo na última década: a disforia de início rápido. É um problema que afeta especialmente jovens do sexo feminino.

Incentivadas pela ideologia, elas reinterpretam outros problemas, do autismo às inseguranças comuns de meninas com o próprio corpo na puberdade, como um sinal de que são “na verdade” transexuais, ou seja, sofreriam de “disforia de gênero” (transtorno psiquiátrico que costumava ser a âncora médica do fenômeno da transexualidade).

A pesquisadora Lisa Littman mostrou em 2018, na revista científica PLoS One, que essas jovens muitas vezes não atendiam os critérios diagnósticos de disforia de gênero. O que estava acontecendo era uma coisa nova, que ela chamou de “disforia de início rápido”. No ano seguinte, a revista emitiu uma correção desnecessária. Littman sofreu cancelamento, perdendo dois postos de trabalho na academia. Ela precisou criar um instituto próprio para continuar pesquisando, pois não é mais bem-vinda nas universidades tomadas pelo woke.

Em 2020, a jornalista Abigail Shrier documentou mais de uma centena de casos de disforia de início rápido em seu livro Irreversible Damage (Regnery Publishing).

O experiente pesquisador da sexologia J. Michael Bailey, com ajuda de uma autora que usou um pseudônimo, corroborou o fenômeno com mais evidências em 2023 na revista Archives of Sexual Behavior. A revista retratou-se do artigo após a publicação. Bailey diz que a motivação foi completamente política, envolvendo alegações espúrias sobre suposta falta de ética nos formulários de consentimento para coleta de dados.

Finalmente, o cientista político Eric Kauffman mostrou indícios, em 2022, de que os jovens do mundo anglófono estavam passando por um contágio social de autodeclarações como LGBT. Ou seja, há um fenômeno de desestabilização da identidade sexual dos jovens que segue de perto suas convicções políticas. “Muito do aumento [nas autodeclarações como LGBT] ocorreu entre jovens muito progressistas ou da extrema-esquerda”, afirmou o pesquisador.

O caso tratado pelo STJ tem este exato padrão: uma pessoa do sexo feminino, o mais afetado pelo contágio social e pela disforia de início rápido, usou intervenções médicas para transicionar para uma identidade masculina da qual depois se arrependeu. Como todos sabem, o Brasil é altamente influenciável pelos ventos culturais dos Estados Unidos e da Europa.

Por que isso aconteceu? Especulo que foi exatamente pela pressão do ativismo para, por assim dizer, passar a mão na cabeça da pessoa que pensa que sofre de disforia de gênero, o que pode não corresponder à natureza real de seu problema.

Essa atitude de cuidado excessivo, portanto, atrapalhou a jovem, que, arrependida do período em que tomou testosterona, agora quer se declarar não binária, ou seja, nem homem, nem mulher.

A transexualidade clássica, antes do identitarismo e dos problemas pesquisados por Littman, Bailey e Kauffman, respeita o binário sexual. Nem faz sentido falar em “transicionar” sem que se presuma que é passar de um estado A para um estado B, ou seja, dois estados possíveis quanto à apresentação da pessoa quanto a seu sexo/gênero. “Não binário” é uma moda completamente inserida na ascensão da ideologia identitária, e não faz sentido a alegação de que seja parte do mesmo fenômeno que a transexualidade.

Em vez de uma terapia baseada em evidências com profissionais competentes não influenciados pela nefasta ideologia, o que o STJ está oferecendo para a jovem é mais “afirmação” do que ela pensa que é no momento, quando ela já se enganou a respeito de forma desastrosa. Insistir em só oferecer cuidado e colocar a subjetividade potencialmente temporária num pedestal vai ajudar dessa vez? Não ajudou antes!

Nem a ministra Andrighi consegue ser coerente com o que decidiu, já que chamou pelo pronome feminino a requerente do caso.

Sexo e gênero: profunda incoerência

O campo dos documentos brasileiros sendo vandalizado pelo ativismo identitário é o campo do “sexo”. É nele que a inovação do “não binário” está sendo inserida (ou “não binarie”, inexplicavelmente sem acento na “linguagem neutra” implantada nas certidões de nascimento no Rio de Janeiro).

Mas isso denuncia uma profunda incoerência dos identitários de gênero e sexualidade. Há anos, a insistência é que o sexo é diferente do gênero. “Sexo biológico” não se confunde com “identidade de gênero”, disse a Folha de S. Paulo já em 1990. A Agência Brasil chamou a transexualidade de um processo de “descoberta de gênero” — presumindo que se o gênero é descoberto, é porque já se sabe o sexo.

Ora, então “não binário” estaria em gênero, não em sexo. O nome do campo na certidão de nascimento é “sexo”, que é da seara da biologia (ciência atacada pela ideologia). O ativismo judicial e a militância que colocaram um “gênero” em um campo dedicado ao “sexo”, portanto, são contraditórios ao alegar que gênero é uma coisa e sexo é outra.

Os precedentes nas cortes inferiores

O ativismo ideológico pelo gênero neutro parece ter começado no Rio de Janeiro, em 2022, quando a Defensoria Pública do estado e o TJ-RJ fizeram uma “ação social” para colocar o erro de português “não binarie” no campo “sexo” de certidões de nascimento. O TJ-CE imitou a iniciativa em agosto de 2024.

O identitarismo ou woke tem movido essa ala do pensamento político no mínimo desde 2011, começando nos Estados Unidos. A esquerda brasileira, colonizada pela americana, imita tudo. Sua influência sobre os tribunais vem especialmente do mundo acadêmico, em que a ideologia é tratada como conhecimento estabelecido, mesmo não tendo base científica.

Enquanto o mundo civilizado supera o estrago causado pelo identitarismo em áreas como o esporte feminino e a pediatria para crianças disfóricas — como o Reino Unido, cuja Suprema Corte declarou que mulher se define como fêmea adulta humana, ou seja, pelo sexo —, o Brasil, junto com o STJ, anda na contramão.

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