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Juíza que sentenciou Léo Lins já condenou até jornalista premiado e manifestantes anti-Moraes

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Decisões de Barbara Iseppi indicam perfil punitivista

A juíza Barbara de Lima Iseppi, da Justiça federal de São Paulo (TRF3), ficou instantaneamente famosa na terça-feira ao condenar o humorista Léo Lins a mais de oito anos de prisão por causa de suas piadas no especial de comédia “Perturbador”. Ele tem o direito de apelar em liberdade.

Segundo o jurista André Marsiglia, a Lei Antipiadas sancionada por Lula não tem culpa completa pela censura, pois “um juiz pode afastar a aplicação de uma lei que considere inconstitucional, não a aplicando no caso concreto, mesmo que a lei esteja formalmente em vigor”, disse ele no X.

Ou seja, usar a lei para agravar a punição é uma escolha da juíza. Havendo espaço para escolha, portanto, há espaço para desconfiarmos de uma personalidade autoritária.

Examinemos, então, quais outras coisas a juíza andou fazendo nos últimos anos, como forma de especular de um jeito informado sobre suas possíveis inclinações. Pode ser que algumas das decisões abaixo sejam culpa da lei, não de Iseppi. Mas, como sugerido no caso de Léo Lins, costuma haver espaço para leniência se ela assim quisesse.

Padrão de supressão da expressão e inflexibilidade

Iseppi está na função desde 22 de junho de 2011, após aprovação em concurso público para juiz federal substituto.

Em dezembro passado, a juíza condenou um pastor evangélico a três anos de detenção e multou-o em 30 salários mínimos por ter aberto uma rádio FM clandestina. A denúncia foi da Anatel. Em uma época em que qualquer pessoa pega um celular e transmite o que quiser em áudio ou vídeo a quantas pessoas quiserem ouvir, faz sentido essa mão pesada de controle sobre ondas de rádio? Apesar de o tempo de cadeia determinado por Iseppi estar dentro do previsto por lei (dois a quatro anos), a multa de cerca de R$ 45 mil está acima do que recomenda a Lei 9.472/97, que prevê R$ 10 mil.

Em dezembro de 2020, o premiado jornalista Amaury Ribeiro Júnior foi condenado a sete anos e dez meses de prisão pela mesma juíza, acusado de ter obtido de forma criminosa cópias da declaração de Imposto de Renda da filha e do genro do político José Serra, no contexto da apuração que resultou em seu livro “A Privataria Tucana” (2011). Mais uma vez, a magistrada negou substituição por restritivas de direitos, mesmo com Amaury sendo réu primário e o feito não ter sido violento.

Em novembro de 2020, Iseppi mandou prender preventivamente dois homens por “injúria, difamação e ameaça” contra o ministro Alexandre de Moraes. Eles estariam planejando um protesto em frente à residência do juiz e já se encontravam em prisão domiciliar, que teriam desobedecido.

A nota da Justiça Federal de São Paulo sobre o ocorrido diz que os homens “proferiram ofensas que teriam caracterizado crimes contra a honra e ameaça”. Os detalhes do caso não estão acessíveis para que possamos avaliar por nós mesmos se a prisão foi justa. Ordens de prisão preventiva em crimes sem violência são incomuns e o MPF havia pedido apenas tornozeleira eletrônica.

Um mês antes, a magistrada condenou um administrador e três sócios de uma empresa de fabricação de material publicitário a até quatro anos e oito meses de prisão em regime inicial semiaberto por não pagarem impostos federais. O MPF os denunciou por sonegarem R$ 7 milhões em tributos. A defesa pediu absolvição dos três empresários por falta de intenção de sonegar e falta de provas. A pena aplicada está perto do limite máximo previsto pela Lei 8.137/1990, de cinco anos.

Ao dar a sentença, Iseppi dispensou a necessidade de perícia contábil e disse que a sonegação podia ser inferida de “movimentação financeira em instituições bancárias” da empresa. A juíza justificou a escolha do tempo de prisão com base no valor sonegado, que “atinge o Fisco de forma direta e toda a sociedade brasileira de forma indireta”, disse. A empresa tinha optado pela tributação do Simples Nacional e movimentou dinheiro acima do limite.

Também em outubro de 2020, um empresário boliviano que mantinha quatro conterrâneos em oficina de costura com jornadas de trabalho extensas e dívida “fraudulenta” foi condenado pela juíza a quatro anos de prisão, a indenizar as vítimas. Ela entendeu que era análogo à escravidão, mais uma vez negou benefícios penais. A pena ficou 80% acima do mínimo legal, o que também é incomum para réu primário.

Por essa decisão contra o boliviano, Barbara de Lima Iseppi ganhou em 2021 o prêmio de combate a tráfico de pessoas da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e da Associação dos Juízes Federais (Ajufe).

Resta saber se também será premiada por sua atuação em casos envolvendo liberdade de expressão.

Questão de gênero

Normalmente, o sexo de um juiz que decidiu em algum caso seria completamente irrelevante. Mas no caso de Léo Lins, é a segunda punição que vem de uma magistrada mulher. É um raio caindo duas vezes no mesmo lugar.

Em maio de 2023, a juíza Gina Fonseca Correa, do Tribunal de Justiça de São Paulo, impôs no mesmo caso diversas medidas cautelares draconianas contra Lins, como proibi-lo de sair de São Paulo por mais de dez dias e de publicar, transmitir ou manter em qualquer de seus dispositivos “conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero” etc. etc. As medidas foram derrubadas em decisão monocrática do ministro André Mendonça, do STF, em setembro de 2023.

Duas decisões chocantemente autoritárias contra um humorista assumidamente provocativo, vindo de duas juízas, são uma mera coincidência? Talvez. Mas também há possibilidade de ser parte de um padrão.

Um grupo de 39 cientistas, em 2023, publicou na revista científica PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences) uma extensa análise da censura mais comum praticada dentro das universidades. “Mulheres, por serem mais avessas ao dano e mais protetoras dos vulneráveis do que os homens, mostram-se mais censórias”, concluíram os autores.

Eles documentaram que em 1948, por exemplo, as mulheres foram 1,5 vez mais propensas a apoiar a censura contra a célebre pesquisa do sexologista Alfred Kinsey, que escandalizou a sociedade americana na época. Um quarto delas quis silenciar o cientista, em homens foram 17% os apoiadores da ideia.

Os cientistas também citam três estudos mais recentes que documentam essa diferença de gênero: mulheres, geralmente com a motivação de proteger alguém, são mais propensas a quererem calar bocas do que os homens. Essa tendência independe de ideologia política.

Homens, que têm maior propensão à violência, devem ser educados a evitar a violência. Mulheres, pelo visto, precisam ser educadas a não apoiar nem aplicar a censura, pois a função das sociedades justas não é atropelar liberdades em nome de proteger sentimentos subjetivos feridos, nem mesmo de pessoas pré-selecionadas como “vulneráveis”. Cidadãos em democracias devem ser emocionalmente resilientes e se expor ao incômodo de viver numa sociedade plural em opiniões e em gostos de consumo de arte.

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