Claudio Dantas
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Candidaturas independentes: última chance de o STF fazer um favor à democracia

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O Brasil é signatário, desde 1992, do Pacto de San José da Costa Rica, que diz que candidatos sem partido devem ser livres para concorrer a eleições. Apesar disso, nosso sistema eleitoral insiste em vetar esse tipo de candidatura independente, o que nos coloca em uma minoria de 10% dos países.

Um dos entraves vem da própria Constituição, que exige a filiação partidária de candidatos (Art. 14 § 3.º V). Mas isso não significa, necessariamente, proibição às candidaturas avulsas. Aí está o dilema jurídico. E amanhã o STF começa a julgar as candidaturas livres no Brasil.

Quando o Plenário Virtual abrir, às 11 horas desta sexta-feira (16), os ministros vão destravar um processo que se arrasta há quase uma década. O recurso extraordinário 1.054.990, apresentado pelo advogado carioca Rodrigo Mezzomo depois de ter sua candidatura avulsa à prefeitura do Rio negada em 2016, foi reconhecido com repercussão geral em 2018 — primeiro sinal de que o Supremo estava disposto a encarar o monopólio partidário.

Em 2019, o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, convocou audiência pública e ouviu de acadêmicos, políticos e movimentos cívicos que nove em cada dez democracias já aceitam independentes em algum nível. Ele prometeu liberar o voto no primeiro semestre de 2021, mas a pandemia e sucessivos pedidos de vista empurraram o tema para a gaveta.

Essa gaveta só voltou a se abrir porque, em junho de 2024, o próprio Tribunal fixou maioria para manter a exigência de filiação partidária num caso pontual de Londrina. O relator Gilmar Mendes afirmou que não existe omissão do Congresso — sinal duro contra a tese dos independentes.

A derrota apertada, porém, reacendeu o debate fora do Supremo: artigos, petições online e até partidos menores passaram a pressionar Barroso para pautar o processo principal. Deu certo: o julgamento foi marcado para o intervalo de 16 a 23 de maio.

Há, também, iniciativas legislativas que geralmente morrem na praia. Foi o destino da PEC 21/2006, do senador petista Paulo Paim, arquivada em 2014; e da PEC 6/2015, do senador José Reguffe (na época do PDT-DF), arquivada em 2023. A tentativa mais promissora é a PEC 229/2008, que está sob a relatoria do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP). A última movimentação foi em outubro do ano passado, quando o parecer de admissibilidade foi lido. A PEC tramita com pedido de vistas coletivo.

Complicações para o já complicado quociente

Candidaturas independentes podem gerar um nó operacional no nosso modelo proporcional de lista aberta porque todo o cálculo de cadeiras – quociente eleitoral, quociente partidário e distribuição das “sobras” – parte da premissa de que votos são agregados por legenda. Se um candidato sem partido disputar para deputado ou vereador, não haverá como somar seus votos a um quociente coletivo; teríamos de criar um “quociente individual” ou recontar as sobras em separado, o que altera não apenas a matemática de quem entra, mas também a lógica de compensação que hoje protege minorias dentro dos partidos.

Além disso, independentes não alcançariam a cláusula de desempenho que filtra o acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV, criando uma categoria à parte de eleitos sem recursos públicos regulares. Em suma, ou o sistema adota regras paralelas — com risco de gerar distorções e judicialização a cada eleição — ou o âmbito das avulsas precisará ficar restrito a cargos majoritários, onde não há repartição proporcional de votos.

A ação no STF, é bom lembrar, se aplica apenas às disputas majoritárias.

Mais detalhes do dilema jurídico-eleitoral

O Pacto de San José, promulgado no Brasil pelo Decreto 678/92, garante a “igualdade de condições para o exercício de direitos políticos”. A Convenção não exige partidos; a Constituição de 1988, sim. Esse choque normativo é a brecha que advogados, como Mezzomo e o constitucionalista Modesto Carvalhosa, exploram desde 2016. Eles dizem que o Brasil integra o seleto (e constrangedor) grupo de 10% de nações que ainda bloqueiam candidaturas avulsas.

A estatística vem de um levantamento da Rede de Informações Eleitorais ACE, em 2011. Levantamentos mais recentes desta e outras entidades corroboram a informação.

Ou seja, o fato de o Brasil não permitir candidatos independentes é uma quase-jabuticaba praticada por uma minoria de nações. Não anda sendo prudente esperar boa notícia do STF para nossa democracia ultimamente, mas vejamos se pelo menos nisso não optaremos pelo que eu chamo de “coproexcepcionalismo”: as coisas que só o Brasil faz, e faz mal.

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