As projeções econômicas divulgadas no Boletim Focus desta segunda-feira, 23 de dezembro de 2024, trazem à tona um cenário que vai além de números e estimativas sobre juros, inflação, câmbio e PIB brasileiro. Com inflação e juros em alta e o dólar pressionando a economia, o pano de fundo revela os impactos das escolhas políticas e, principalmente, de uma comunicação governamental marcada pela desordem e por vazamentos atabalhoados na imprensa mais próxima de integrantes do governo que gostam mais de aparecer. Esse ambiente não só confunde o mercado como compromete a confiança necessária para atrair investidores e estabilizar a economia.
Entenda o Boletim Focus antes de criticar os números
Antes de falarmos sobre os últimos números divulgados, é importante esclarecer que o Boletim Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central, não é uma ferramenta de previsão oficial, mas sim um termômetro das expectativas de economistas e instituições financeiras sobre os rumos da economia – na semana anterior à divulgação do relatório. Assim como pesquisas eleitorais, as projeções do Focus são baseadas em modelos e dados disponíveis no momento, podendo mudar significativamente ao longo do tempo à medida que novas informações surgem.
Essa dinâmica é análoga às pesquisas de intenção de voto: ambas capturam tendências, mas não podem ser encaradas como previsões absolutas. Nas eleições, choques políticos, debates e campanhas de última hora podem alterar o resultado final. Da mesma forma, no mercado financeiro, decisões inesperadas do governo ou mudanças na economia global podem transformar rapidamente as expectativas.
Entendido que o Boletim Focus não é uma ferramenta de previsão do que vai acontecer daqui a alguns meses ou anos, mas um termômetro do momento?
A Comunicação do Governo e o Impacto nos Juros
O cenário atual expõe não apenas desafios econômicos, mas também os efeitos de uma comunicação governamental dissonante e desorganizada. Um exemplo marcante foi o recente episódio envolvendo o anúncio de cortes de gastos que, antes de ser formalizado, veio acompanhado de um vazamento sobre renúncias fiscais não concretizadas. O mercado, naturalmente sensível a sinais contraditórios, reagiu com desconfiança, pressionando o câmbio e os juros; reforçando a percepção de instabilidade.
Essa falta de coordenação entre diferentes partes do governo cria um ambiente de incerteza – e se tem uma coisa que o “mercado” não é gosta é de incerteza. Enquanto um setor defende políticas de austeridade, outro sinaliza ações contrárias, como aumento de gastos ou mudanças fiscais sem base legal clara.
Dessa maneira, é impossível esperar um resultado diferente do que estamos sentindo na pele: um mercado volátil, juros em alta e o real cada vez mais fragilizado. Vejamos o que aconteceu, especialmente, a partir do dia 27 de novembro de 2024, na imagem abaixo que representa os juros futuros com vencimento em 2029. Saiu de cerca de 13% para quase 16%. Isso é um absurdo sem tamanho que poderia ter sido evitado apenas com uma comunicação mais adequada, sem um membro do governo querer passar por cima de outro, vazando ideias sequer discutadas formalmente na grande mídia.
Inflação e Juros: A Escalada dos Indicadores
Dentro desse contexto, a inflação medida pelo IPCA subiu para 4,91%, marcando a quarta semana consecutiva de alta nas projeções do Boletim Focus. Pressões cambiais e incertezas fiscais continuam a dificultar a convergência para a meta do Banco Central. Neste último final de semana, conversando com um jornalista que cobre economia, destaquei que essa persistência inflacionária sinaliza que pressões de custo, como câmbio desfavorável e incertezas fiscais, continuarão impactando os preços.
Não devemos esquecer que ainda existem riscos inflacionários nos EUA que podem pesar aqui no Brasil, junto com novas taxas que podem ser impostas pelo novo Governo Trump que assume em janeiro de 2025, que também poderão pesar aqui no Brasil.
Por sua vez, a taxa Selic esperada para 2025 chegou a 14,25%, enquanto para 2026 a expectativa é de 11,75%. O aumento constante nas projeções de juros futuros reflete a dificuldade do Banco Central em sinalizar um ciclo de cortes sustentáveis, especialmente com a pressão inflacionária atual, gerada por gastos públicos em excesso – como eu expliquei num artigo da semana passada sobre o que está por trás da escalada dos juros no Brasil.
Volatilidade Cambial e a Saída de Capital
Outro fator crítico é o comportamento do câmbio. Apesar dos juros elevados, o fluxo de saída de dólares persiste, alimentando um ciclo vicioso em que a desvalorização do Real pressiona a inflação, que, por sua vez, exige juros mais altos. Essa dinâmica torna o ambiente de negócios menos atrativo para investidores, aumentando a instabilidade do mercado financeiro.
E esse movimento não é um ataque ou especulação. Simplesmente, é uma defesa das pessoas contra a desvalorização da moeda nacional. Isso só acabará com a redução das incertezas que foram criada especialmente neste final de ano por escolhas políticas inconsequentes da equipe do governo.
Reflexão Final
O Boletim Focus e as pesquisas eleitorais têm algo em comum: ambos fornecem pistas sobre tendências, mas não substituem análises criteriosas e decisões bem informadas. Assim como os eleitores podem mudar de opinião, economias podem ser transformadas por decisões políticas acertadas e choques externos positivos.
Para onde estamos indo? Essa é a pergunta que fica. Os políticos brasileiros precisam alinhar seu discurso para reduzir a assimetria informacional gerada, reestabelecendo a confiança dos agentes do mercado. Enquanto isso, a população e os investidores observam, tentando navegar em meio a um cenário de incertezas e sinais conflitantes.
Como bem disse Henrique Meirelles: boa sorte!