O documentário “Gaza: como sobreviver numa zona de guerra”, produzido pela emissora estatal britânica BBC, foi ao ar no último dia 17. A intenção era mostrar a guerra Israel-Hamas do ponto de vista de “quatro jovens tentando sobreviver enquanto esperam pelo cessar-fogo”, como colocou a emissora.
Há cenas chocantes, como a remoção cirúrgica do braço de uma criança. Os entrevistados culpam o “yehud”, que significa judeu em árabe, mas a BBC insiste em traduzir como “israelense”.
O filme durou apenas quatro dias no iPlayer, o aplicativo de streaming da BBC. A razão foi que uma investigação revelou que o menino de 13 anos que narra o filme, Abdullah Al-Yazouri, é filho de Ayman Al-Yazouri, um oficial do regime do grupo terrorista Hamas na faixa de Gaza.
O autor da revelação foi o pesquisador de comunicação e ativista britânico David Collier. Ele chamou o documentário de “uma das piores pantomimas de propaganda palestina que você poderá ver”.
Para Collier, um dos problemas foi a “arrogância elitista da BBC”. Funcionários da emissora em Londres “que não falam hebraico ou árabe, e nada sabem do conflito, são usados para legitimar uma máquina de propaganda bem lubrificada do Hamas”.
A primeira omissão da BBC foi a respeito de quem é o codiretor e produtor do documentário, Yousef D. Hammash. Ele é palestino, viveu 32 anos em Gaza (segundo declaração própria no X) e deixou sua terra natal após o início da guerra, se refugiando no Reino Unido.
Como jornalistas internacionais não estão podendo entrar em Gaza, a BBC confiou também em dois câmeras locais. Um deles, Amjad Al Fayoumi, comemorou no Facebook o ataque de 7 de outubro de 2023: “o dilúvio”, comentou ele, acrescentando um emoji de saudação militar. Esta é uma das informações que o produtor britânico do documentário, Jamie Roberts, falhou em apurar.
Quem são os quatro jovens palestinos
Collier conseguiu identificar todos os quatro jovens, apesar de a BBC dar só os primeiros nomes. Todos os quatro já tinham aparecido em notícias e outros documentários. Abdullah apareceu em novembro de 2023 no Channel 4, um concorrente da BBC. Ao seu lado, um pai falso: o presidente da ONG Al Dameer, grupo ativista com ligações ao terrorismo. Em postagem no Facebook de 2022, ele afirma que Abdullah, na verdade, é seu sobrinho. Então os ativistas pró-Hamas mentiram para o Channel 4.
O pai verdadeiro do menino, Ayman Al-Yazouri, é vice-ministro de agricultura do Hamas e já teve outros cargos ligados à educação e planejamento. O patriarca da família, Ibrahim Al-Yazouri, que morreu de covid em 2021, é um dos fundadores do Hamas.
“Os câmeras seguiram essa família por meses”, comentou Collier. “Não há a menor possibilidade que não soubessem quem eles são”.
Quanto aos outros jovens:
- Renad Attalah, menina de 10 anos. O que o documentário não conta: ela tem um milhão de seguidores no Instagram e já recebeu mais de 200 mil euros em doações.
- Zakaria Sarsak é um menino de 12 anos que trabalha como voluntário no Hospital Al-Aqsa. A Reuters contou sua história em abril de 2024, informou que sua família teve que mudar de residência por causa do bombardeio israelense. O que o documentário não conta: o vocabulário do menino tem sinais de doutrinação do Hamas, ele diz que ajuda a “levar os mártires para o necrotério”.
- Rana Salah é uma mãe de aparência muito jovem cuja cesariana foi coberta por veículos como Reuters e The Times of India. Os veículos não dão sua idade exata, e ela informa que tem dois outros filhos (mostrados nas imagens). O que o documentário não questiona: que idade tinha Rana quando se casou, e quem é seu marido?
Reações às revelações
A ministra da Cultura do governo trabalhista britânico, Lisa Nandy, disse que vai exigir explicações da cúpula da BBC. A emissora é sustentada em parte por um imposto conhecido como “taxa da TV”. Quem mora no Reino Unido recebe cartas do governo em tom meio ameaçador a respeito de pagar a taxa da TV.
Kemi Badenoch, líder da oposição conservadora, escreveu uma carta para o diretor-geral da BBC, Tim Davie, pedindo uma investigação independente a respeito do documentário e de “alegações mais amplas de viés sistêmico da BBC contra Israel”.
A acusações de viés vêm de personalidades de peso para a empresa de comunicação. Uma delas é o ex-diretor de televisão da BBC, Danny Cohen. “A BBC pode tentar retratar esse incidente como isolado, mas não é”, disse ele. “É parte de um padrão sistêmico de viés e representação enganosa que temos visto desde os ataques do 7 de Outubro. Há muito pensamento de manada, que apresenta Israel como um Estado pós-colonial. O grau de foco que colocam em Israel é muito diferente de qualquer outro país”.
Há 21 anos, um jornalista experiente da própria BBC, Malcolm Balen, recebeu a incumbência de investigar e produzir um longo relatório sobre a cobertura do Oriente Médio na empresa. A BBC gastou centenas de milhares de libras esterlinas batalhando nos tribunais para suprimir a publicação do relatório, obtendo vitória definitiva em 2012. Na época, a principal reclamação era contra o viés anti-Israel da emissora.
Adam LeBor, em artigo para o veículo The Free Press (de Bari Weiss, ex-editora de opinião do New York Times), informou que em apenas cinco meses após o ataque terrorista de 2023, a BBC teve que emitir 80 correções em seu serviço em árabe. “Trinta correções foram por causa de reportagens que descreviam cidades e comunidades dentro das fronteiras pré-1967 de Israel como ‘assentamentos’. Em três ocasiões, a BBC em árabe descreveu o Hamaz e o Hezbollah — ambos designados grupos terroristas pela lei britânica — como ‘a resistência’”, informa LeBor.