Por Miriam Gimenez*
A razão ordena cada instrumento na posição em que cumpre sua função. Ordenar o burro e a carroça é fácil. Há, porém, sutilezas que passam despercebidas. O previsto nos artigos 60 e 291, II do Regimento Interno do Senado Federal coloca a Constituição Federal abaixo de um simples regimento.
Estão já há algum tempo excetuando e negando cumprimento ao princípio da publicidade.
É iminente mais uma eleição para a presidência do senado e mais uma vez será “do estado, no estado e para o estado” e o povo que vá às favas. O Senado tem função crucial no equilíbrio dos poderes por conta da estrutura prevista na Constituição. A eleição do presidente do Senado é fato de relevante interesse do povo e não pode se dar às escuras a escolha de quem ocupará essa cadeira.
No que dispõe sobre o voto secreto, o Regimento do Senado é ilegal, inconstitucional e antidemocrático. É completamente hostil ao regime de soberania popular esconder do povo quem colocará o titular de tão relevante função. Os senadores não estão no cargo cuidando de interesse particular, mas cumprindo um mandato e são mandatários.
A publicidade prevista por princípio fundamental na Constituição determina que cada ato do senador no cumprimento do mandato seja conhecido do mandante: o povo. O princípio é a regra! A exceção, restrita por natureza, deve ser explícita no mesmo assento do princípio.
Observe que a Constituição Federal, onde assentado o princípio da publicidade, para o caso posto, traz expressamente as restritas hipóteses de exceção no artigo 52, III, IV e XI. É gritante o silêncio do artigo 57, parágrafo 4º, quando trata objetivamente da eleição em questão sem excetuar o princípio da publicidade. Sendo a publicidade a regra não poderia um singelo regimento fazer objeção ao princípio.
A publicidade do ato do agente público é instrumento de controle e soberania popular. É conhecendo a conduta do mandatário eleito que o povo controla o cumprimento do mandato. É completamente absurda a ação do mandatário que esconde do mandante aquilo que faz com a outorga recebida.
Não cabe analogia com poder não eleito, como o Judiciário, nem é pertinente questão “interna corporis”, porque a objeção seria alegável em face de outro poder, mas nunca contra interesse direto do povo. O controle popular dos atos do mandatário eleito é inerente ao regime de domínio do povo (democracia).
Não importa há quanto tempo se faz errado. Não importa quantas vezes erramos ignorando essa questão. Insano é continuar repetindo o mesmo erro.
* Miriam Gimenez é advogada e procuradora federal.