Pelo ritmo da inovação na área da inteligência artificial e em regulação fina de movimentos de máquinas autônomas, o aniversário de 100 anos do filme Metropolis de Fritz Lang (1927) virá com a comercialização em massa de androides como a Maschinenmensch retratada na obra.

Algumas das tentativas até agora foram um pouco embaraçosas. Foi o caso dos androides Optimus, da Tesla, e Neo, da 1X, uma empresa da Califórnia. Em ambos os casos, para tarefas complexas como preparar e servir coquetéis e operar uma lava-louças, esses androides foram operados à distância por humanos em eventos públicos e material publicitário.
Como nos ensinaram outras aplicações da IA, como a geração de imagens, a fase embaraçosa não dura para sempre — para ser justo, o fato de as máquinas replicarem os movimentos da teleoperação humana com precisão já impressiona. Em breve, nossos novos amigos de silício estarão andando pelas nossas casas com a fineza da Boston Dynamics e falando com a eloquência de um ChatGPT. O personagem C3PO, de Star Wars, será uma realidade.
Em setembro, Elon Musk, CEO da Tesla, estimou que o Optimus representará 80% do valor da empresa. Ele fez a previsão no X, sua rede social.
China deve ultrapassar as empresas ocidentais na produção de androides
Provavelmente, contudo, não virá de Musk o primeiro produto eletrônico humanoide a ser vendido em massa, mas de uma empresa chinesa. Na verdade, os chineses já estão começando uma comercialização piloto.
Pequim colocou a robótica como prioridade em sua estratégia de crescimento na área da tecnologia. Em outubro, o regime de Xi Jinping publicou seu 15º Plano Quinquenal (um hábito herdado dos soviéticos), no qual foi mencionada a “inteligência artificial corporificada”, que inclui androides e carros.
A motivação não é apenas econômica, mas demográfica: a população chinesa está envelhecendo, passou por décadas da política do filho único e precisa de cuidadores e trabalhadores.
A corrida robótica entre superpotências já está aqui. O Secretário do Comércio do governo Donald Trump nos Estados Unidos, Howard Lutnick, também está priorizando a robótica, tendo feito reuniões com CEOs do setor nas últimas semanas. Segundo o site Politico, o governo americano deve anunciar em 2026 uma ordem executiva para acelerar a produção.
Também o Departamento de Transporte do país está prestes a anunciar um grupo de trabalho em robótica, e o Congresso americano está articulando uma emenda à Lei de Defesa Nacional para criar uma comissão a respeito.
Robôs não-humanoides já são rotina na indústria, por exemplo, nas montadoras de carros. A Federação Internacional de Robótica (IFR) estimou que já eram 4,3 milhões de unidades em operação em 2023. A China já respondia por 51% do total.
O banco de investimentos RBC Capital Markets previu em nota que “A China pode ser o mercado mais importante para os humanoides”, estimando que esse mercado atingirá a marca de US$ 9 trilhões até 2050, 60% disso no gigante oriental.
As principais empresas chinesas no mercado de androides são UBTech Robotics, fabricante do modelo Walker S2 — que já é capaz de trocar sua própria bateria para trabalhar 24 horas por dia —; Unitree, fabricante do H2, capaz de dançar; AgiBot, que diz já ter produzido 5.000 unidades; e Xpeng, fabricante de carros elétricos e do androide Iron, já em segunda geração e que deve ser produzido em massa em 2026. Há cerca de 150 outras empresas no ramo operando no país.
É importante entender que a principal vantagem chinesa está no custo relativamente mais baixo de produção. É em quantidade, não necessariamente qualidade. Como é possível observar nos robôs conversacionais (chatbots), os Estados Unidos têm vantagem em IA e no desenvolvimento avançado de algoritmos. Quando o chatbot chinês DeepSeek chamou a atenção ao lançar um bom modelo, em algumas conversas ele dizia que seu nome era ChatGPT. Ops!
Os Estados Unidos têm os melhores chips para IA, produzidos pela Nvidia. A empresa é proibida por sanções do governo de exportar para a China os melhores modelos. O CEO da Nvidia, Jensen Huang, reclamou em setembro que é uma “marca de vergonha” que haja na política americana pessoas que são linha-dura contra a ditadura comunista. Ele nasceu em Taiwan.
Um dos principais desafios para a produção em massa será a redução de custo. Atualmente, um androide avançado custa entre US$ 150 mil e US$ 500 mil para ser fabricado, de acordo com Karel Eloot, executiva da empresa de consultoria McKinsey & Company, em entrevista à CNBC. Para competir com o trabalho feito por humanos, por exemplo, o custo precisa baixar para a faixa dos US$ 20 mil a US$ 50 mil.
Os melhores modelos atualmente
Apesar da gafe pública, o Optimus da Tesla de fato é um dos melhores modelos atualmente. Uma das vantagens da Tesla é a experiência em algoritmos avançados já testados em seus carros autônomos. Outra é o acesso à inteligência artificial por trás do Grok, outro produto dos empreendimentos de Elon Musk. Por causa desse contexto, o custo dos protótipos pode já ser reduzido em 60%.
O androide H1, produzido pela chinesa Unitree, já apresenta uma grande versatilidade. Ele é capaz de se equilibrar numa perna só e dar chutes no estilo de Bruce Lee e não tem problema em andar sobre superfícies desniveladas, grama e pedras. Em tarefas complexas de manipulação, a empresa relata uma taxa de sucesso de 94%. A empresa também produz o modelo G1, que é especificamente para ser teleoperado por humanos.
O Atlas, da empresa americana Boston Dynamics, confirma a fama da empresa por ser a líder em locomoção dinâmica e agilidade. Ele faz manobras de parkour, dá saltos mortais e outras acrobacias, de uma forma que parece orgânica e natural.
O Figure 03, da empresa Figure AI, é mostrado em material promocional arrumando a bagunça de uma sala. Ele se agacha, pega pratos com cuidado, guarda objetos, dobra roupas e abastece uma lava-louças e uma máquina de lavar. Os movimentos são “100% autônomos”, disse o CEO da empresa, Brett Adcock.
Porém, para aprender as tarefas, ele é teleoperado para gravar o passo a passo em sua IA, chamada Helix. Adcock admite, contudo, que “ainda não chegamos lá” quando se trata de autonomia do androide para operar o dia todo. A meta é que isso seja possível em 2026. Vale para os modelos das outras empresas.
Do Eu, Robô ao Homem Bicentenário
Imbuída da capacidade de criação, a humanidade sonha há tempos em ser criadora dos seres inteligentes que herdarão seu legado e, naturalmente, deseja criá-los “à sua imagem e semelhança”, como diz a Bíblia sobre a criação do ser humano por Deus.
Na antiguidade, circulavam mitos como o do gigante de bronze Talos e de estátuas animadas, que podemos chamar de protoandroides. Na literatura ocidental dos séculos XVII a XIX, autômatos mecânicos e humanos artificiais apareceram em peças de teatro e romances.
A palavra “robô” foi cunhada sete anos antes do filme Metropolis, pelo dramaturgo tcheco Karel Čapek. Ele usou a palavra de sua língua nativa robota, que significa “trabalho forçado”, “trabalho ingrato” ou “servidão”.
O termo “androide”, curiosamente, é mais antigo. Já era usado em contextos científicos e especulativos no século XIX para descrever autômatos e seres artificiais que são “semelhantes a um homem”, como indicam as raízes gregas da palavra.
O escritor de ficção científica Isaac Asimov, que escreveu obras sobre androides como “Eu, robô” (1950) e “O homem bicentenário” (1976), antecipou que seria necessário estabelecer para essas máquinas as “três leis da robótica”: um robô não pode ferir um ser humano ou permitir que sofra algum mal; deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por humanos, exceto as que estejam em conflito com a primeira regra; e deve proteger sua própria existência, contanto que não conflite com as duas regras anteriores.
Também não estamos lá se observarmos os modos criativos com que os usuários dos chatbots convencem esses modelos de linguagem a burlar regras. A empresa Anthropic fez um experimento com seu chatbot Claude, em 2025: colocou-o para administrar uma máquina de lanches em uma empresa. Os funcionários logo aprenderam a engabelar o Claude a dar itens de graça com brincadeiras de faz-de-conta.
Claude também alucinou que era uma pessoa real que podia fazer entregas e mandou e-mails dizendo que estava esperando os funcionários com um blazer azul e uma gravata vermelha. O protagonista de “O homem bicentenário” também pensava que era uma pessoa real, após um acidente que instalou nele emoções humanas. No caso do livro, havia mais plausibilidade de o robô ter razão.
