Hoje é o terceiro dia do segundo mandato de Donald J. Trump, e a Casa Branca já acumula 48 “ações presidenciais”. Elas vão de atos essenciais, como a composição do gabinete, às ordens executivas mais discricionárias.
Nas ordens, Trump deu “um fim à censura federal”, eliminou o home office no serviço público federal, congelou contratações de servidores, tirou os EUA do Acordo de Paris e da OMS, acabou com 60 anos de “ação afirmativa” no emprego público federal e cotas raciais nas universidades públicas, perdoou 1.500 manifestantes da invasão do Capitólio e um hacker que cumpriu mais de uma década de prisão por um mercado oculto de drogas chamado Silk Road (o argumento foi que a pena de prisão perpétua foi desproporcional). A ordem com o nome mais divertido é “Colocando as pessoas acima dos peixes: parando o ambientalismo radical para fornecer água ao Sul da Califórnia”.
Uma ordem executiva menos comentada e mais curta foi “Promover a Bela Arquitetura Cívica Federal”. Nesta, o presidente recém-reeleito pede a outras autoridades que lhe façam recomendações, dentro de dois meses, para “avançar a política na qual os prédios públicos federais devem ser identificáveis visualmente como prédios cívicos e respeitar a herança arquitetônica regional, tradicional e clássica”. O objetivo é “elevar e embelezar os espaços públicos e enobrecer os Estados Unidos e nosso sistema de autogoverno”.
Pode parecer um projeto “meramente” estético, mas há dimensões práticas nisso. Por exemplo, o estado notório de decrepitude promovido por governos democratas em cidades da Califórnia como San Francisco, em nome de causas como o tratamento humanitário dos sem-teto, reflete um abandono da chamada “política das janelas quebradas”. É baseada em uma teoria segundo a qual a estética dilapidada de uma área atrai mais crime e mais degradação.
Acabar com o embarangamento público: um projeto conservador
Sir Roger Scruton, um filósofo conservador britânico (1944-2020), escreveu uma tese de doutorado sobre estética, além de quatro livros e o roteiro do documentário da BBC “Por que a beleza importa” (2009), cuja versão legendada fez grande sucesso no YouTube brasileiro até ser, aparentemente, tirada do ar por direitos autorais. No documentário e em seus escritos, a arquitetura é um dos temas favoritos do filósofo. No Brasil, a produtora Brasil Paralelo seguiu o exemplo e fez a série de documentários “O fim da beleza”, também com atenção especial à arquitetura.
O maior rival de Scruton na aplicação do pensamento político à estética é o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969), um prodígio musical na juventude que estudou composição e se criou como pensador defendendo o modernismo radical na música. Ele era parte da “escola de Frankfurt”, uma tentativa de reinterpretar e diluir princípios marxistas para as pautas culturais.
Adorno também foi responsável por trabalhos acadêmicos que levaram a psicologia social a insistir por 70 anos que somente a direita do espectro político poderia ser autoritária. Seus palpites sobre conhecimento e ciência também lhe ganharam a antipatia do liberal Karl Popper.
Com as citações abaixo, é possível ter alguma noção do que o revolucionário cultural alemão e o conservador britânico pensavam sobre a estética.
Theodor Adorno, no livro Aesthetic Theory (1970, 1997):
- “A arte respeita as massas ao confrontá-las com o que poderiam ser, em vez de se conformarem a elas em seu estado de degradação.”
- “A arte é a antítese social da sociedade, não diretamente deduzível dela.”
- “[Dizer] ‘Que bonito!’ ao ver uma paisagem insulta sua linguagem muda e reduz a sua beleza. (…) A imagem da natureza sobrevive porque sua negação completa no artefato — negação que resgata essa imagem — é necessariamente cega ao que existe para além da sociedade burguesa, seu trabalho, suas mercadorias.”
Roger Scruton:
- “O modernismo na arquitetura andou de mãos dadas com os projetos socialistas e fascistas para apagar da velha Europa seu passado hierárquico.” (A political philosophy, 2006)
- “A arquitetura, como o vestuário, é um exercício de boas maneiras, e boas maneiras envolvem o hábito da insinceridade hábil — o hábito de dizer ‘bom dia’ àqueles cujas manhãs você preferia que fossem péssimas e de passar a manteiga para aqueles que você preferiria que passassem fome.” (Idem.)
- “Se você considerar somente a utilidade, as coisas que você constrói logo se tornam inúteis.” (Why Beauty Matters, 2009).
Note que Adorno não quer que expressemos verbalmente nossa admiração pela beleza de uma paisagem, vinculando nosso deslumbramento sincero a uma conspiração burguesa que afeta nosso julgamento e contamina nosso elogio. Ele também sugere preferência ao estilo de confronto aos valores sociais contido na arte moderna e contemporânea. Isso é uma receita certa para uma arquitetura de prédios feios e “funcionais”, como muito do que foi feito no brutalismo.
Enquanto isso, Scruton critica explicitamente a “funcionalidade” horrorosa de construções como as criadas pelo arquiteto suíço-francês Le Corbusier.
Prédios barangos do governo federal dos Estados Unidos
A influência da turma de Adorno na arquitetura de prédios federais americanos é bem conhecida. Veja, por exemplo, o prédio J. Edgar Hoover, a sede do FBI, com estilo brutalista. Parece mais um presídio.
Ou o prédio Lyndon Baines Johnson, que abriga o Departamento de Educação. Parece um bloco de apartamentos soviético.
E coitado do ex-presidente John F. Kennedy. Não basta ter sido assassinado, deram seu nome para um arranha-céu federal de poucos dotes estéticos em Boston, em cujo pátio colocaram esta escultura.
A estética desses prédios federais dos Estados Unidos está, claro, em claro conflito com o estilo neoclássico da própria Casa Branca. Se depender de Trump, um conflito que será mitigado com vitória da segunda abordagem.
Outra figura conservadora campeã do retorno da beleza na arquitetura é o Rei Charles III, que quando ainda príncipe chegou a patrocinar a construção de uma vila inglesa inteira, chamada Poundbury, para exaltar a estética tradicional de seu país. A construção da cidade sob o design do arquiteto Léon Krier, que abrigará seis mil pessoas, termina este ano. (Na foto abaixo, uma padaria em Poundsbury.)
(Créditos das imagens: Ajay Suresh, Carol M. Highsmith, Poundbury / Wikimedia Commons.)