A “Portaria do Pix”, que acabou sendo revogada em janeiro, foi criada principalmente para aumentar a arrecadação federal, e não mencionava crimes financeiros como justificativa, como o governo defendeu. É o que mostra a exposição de motivos do documento da Receita Federal, obtido via Lei de Acesso à Informação pelo repórter Cedê Silva.
“Há atualmente milhões de contas de pagamento pré-pagas, as quais não possuem limites de movimentação, permitindo que valores expressivos circulem à margem do conhecimento da administração tributária”, diz o texto. O documento destaca que isso possibilita movimentações financeiras incompatíveis com a renda declarada de pessoas físicas e jurídicas.
A Receita citou diretamente fintechs como Nubank, C6 Bank e PicPay, que oferecem essas contas digitais. Segundo a exposição de motivos, os dados coletados a partir da portaria seriam usados para cruzamento de informações com declarações fiscais, facilitando a identificação de omissões de valores.
A portaria foi assinada em 10 de setembro de 2024 e publicada em 18 de setembro, com entrada em vigor prevista para 1º de janeiro de 2025. Após polêmicas e especulações sobre uma suposta taxação do Pix, o governo revogou a medida.
Discurso petista não condiz com justificativa oficial
Em meio à crise, o ainda secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que a medida visava combater “crimes” e “lavagem de dinheiro”, mas essas expressões não aparecem no documento oficial.
“Quem precisa da atenção da Receita Federal é quem utiliza esses novos meios de pagamento para ocultar dinheiro ilícito”, declarou Barreirinhas em 10 de janeiro, antes da revogação da portaria.
O objetivo da portaria era tão óbvio que a própria chefia da Receita no Ceará citou a previsão de aumento de arrecadação, numa coletiva de imprensa, reproduzida por nosso site.
“O chefe da divisão de fiscalização da Receita no Ceará, Getúlio de Alencar, chegou a dizer que a expectativa da Receita era aumentar em até 10% a recuperação de valores sonegados, a partir do monitoramento do PIX e de cartões de crédito. A imprensa o questionou, por exemplo, sobre o que aconteceria com quem usa cartão de crédito, mas não tem renda declarada. “Em uma situação como essa, é muito tranquilo. Ao ser intimado, o contribuinte comprova a origem da renda e não há qualquer sanção para ele”, disse Alencar.”
Após a repercussão negativa, o governo Lula tentou se afastar da polêmica e, em 16 de janeiro, publicou uma Medida Provisória afirmando que “não incide tributo, seja imposto, taxa ou contribuição, no uso do Pix”. O governo alegou que a intenção nunca foi taxar transações, mas o próprio documento da Receita indica um objetivo claro de ampliar a arrecadação e o controle sobre os contribuintes.