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Por que o artigo de Bucci falha miseravelmente ao chamar Trump de fascista

Eugênio Bucci, em artigo publicado no Estadão, pretende “iluminar” o que ele chama de “autoritarismo contemporâneo”. Curiosamente, ao desferir sua análise contra Donald Trump, ele esquece de olhar para os próprios vícios autoritários que se escondem no campo de quem diz defender a democracia. O autor não menciona, por exemplo, a cultura do cancelamento, que cala vozes dissidentes sob o pretexto de “justiça social”, nem o avanço do wokeismo, que frequentemente se vale da intimidação moral e da censura para impor uma visão de mundo única. Esses fenômenos, que corroem a liberdade de expressão e sufocam o debate público, ficam de fora da análise – talvez porque não se encaixem na narrativa simplista que busca opor bons e maus, iluminados e bárbaros.

Bucci afirma que Trump segue uma estratégia para “desmantelar a democracia”. Como assim? Trump foi eleito democraticamente pela vontade popular e, no início de seu governo, demonstrou compromisso com valores centrais, como a liberdade de expressão e o respeito às instituições. Sua relação com a imprensa foi tensa, sem dúvida, mas jamais houve censura institucional ou fechamento de veículos críticos ao seu governo. Aliás, se falarmos em “desmantelar a democracia”, seria interessante questionar por que Bucci não dedica a mesma energia para denunciar a instrumentalização do Estado contra opositores políticos, algo que parece cada vez mais normalizado no campo daqueles que alegam defender as liberdades democráticas.

Se há algo que enfraquece o argumento de Bucci, é essa insistência em impor ao trumpismo o rótulo de fascismo, sem que os fatos suportem tal acusação. Usar um termo carregado de história e significado como “fascista” para definir um presidente eleito democraticamente, que, goste-se ou não, trabalhou dentro das regras do jogo democrático, soa como uma tentativa mais retórica do que analítica. Afinal, se a liberdade de expressão e o respeito à vontade popular são os primeiros pilares de uma democracia, em que exatamente Trump seria um inimigo do regime democrático?

O texto ainda tropeça em um velho clichê: a tentativa de atribuir vaidade ou narcisismo a líderes como um argumento moral para desqualificá-los. Trump seria vaidoso, egocêntrico? Talvez, mas não mais do que qualquer outro líder eleito em regimes democráticos. Afinal, a democracia, com todo o seu mérito, é também um sistema que incentiva indivíduos ambiciosos a buscarem poder. Como Milton Friedman destacou em sua célebre entrevista concedida a Richard Heffner no programa The Open Mind, governos não são formados por filósofos altruístas, mas por homens e mulheres igualmente movidos por interesses pessoais, vaidades e desejos de influência. A diferença é que, na democracia, eles precisam conquistar o poder com o consentimento dos governados, e sua permanência depende da aceitação popular. Acusar Trump de “vaidade” é como criticar o fogo por ser quente – não só previsível, mas irrelevante para a questão central.

Se há algo que Bucci parece ignorar, é o risco de que o uso indiscriminado de termos como “fascismo” enfraqueça não apenas o peso histórico do conceito, mas também a capacidade de identificar verdadeiras ameaças ao regime democrático. Se tudo pode ser fascismo, nada é fascismo. A tentativa de enquadrar Trump em uma narrativa pré-moldada, recorrendo ao “fascismo eterno” de Eco, transforma um conceito político complexo em um slogan vazio, mais útil para a polarização do que para a análise. Bucci parece preocupado em convencer os já convertidos, mas negligencia o debate que deveria emergir de uma análise séria: como distinguir líderes autoritários em democracias imperfeitas daqueles que simplesmente desafiam o status quo? Essa é uma pergunta que, infelizmente, o texto não tenta responder – talvez porque exigir precisão intelectual não esteja na pauta quando o objetivo é carimbar opositores com os rótulos mais temidos.

Reduzir fenômenos políticos complexos a questões de personalidade ou apelos retóricos não fortalece a democracia – enfraquece-a. Se queremos combater o autoritarismo no presente, precisamos ser mais precisos no uso das palavras. Caso contrário, corremos o risco de transformar o debate público em um grande jogo de etiquetas, onde o impacto de conceitos sérios se perde em meio ao barulho das manchetes. Trump é muitas coisas – mas fascista, no sentido histórico e rigoroso da palavra, ele não é. E insistir nisso não nos torna mais vigilantes. Nos torna menos lúcidos.

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Leonardo Correa

Leonardo Correa

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