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Plano Real Educacional: O Brasil Precisa de Igualdade, Não de Alívio Moral

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O editorial do Estadão, intitulado “A armadilha das cotas identitárias”, começa bem, mas termina mal. Identifica o arbítrio, denuncia o desvio de finalidade e menciona o risco de institucionalizar o ressentimento. Mas, ao fim, tropeça na tentativa de agradar a todos, como se fosse possível fazer crítica sem desagradar quem defende a perpetuação dessas políticas. É como se reconhecesse que o remédio está vencido, mas insistisse em administrá-lo por falta de alternativa. Há, sim, alternativa. Chama-se educação básica de qualidade.

O sistema de cotas virou uma espécie de indulgência laica: um mecanismo para que a elite intelectual se sinta bem consigo mesma. Funciona como um consolo. Em vez de atacar o problema na origem, cria-se um atalho moralmente reconfortante. A ideia de que se está promovendo justiça social com vagas reservadas tranquiliza os círculos progressistas, mas não muda a realidade de exclusão educacional que marca o país há décadas. No fundo, perpetua-se o abandono escolar, e com ele a desigualdade real.

Enquanto se discute quantas vagas devem ser destinadas a pessoas trans, travestis e não binárias, seguimos com escolas públicas sem saneamento, professores desmotivados e currículos esvaziados. Ninguém parece disposto a enfrentar o óbvio: sem uma educação básica robusta, universal e exigente, o Brasil só ensaiará voos de galinha. A Coreia do Sul, frequentemente citada como exemplo, fez uma aposta decisiva na educação de base a partir da década de 1980. O resultado foi mais transformador que qualquer plano econômico. Uma população bem instruída é capaz de produzir, competir e até empreender com autonomia. O verdadeiro motor do progresso está ali.

É disso que o Brasil precisa: de um Plano Real Educacional. Uma cruzada nacional pela qualidade do ensino fundamental e médio. Uma revolução de conteúdo, exigência, infraestrutura e valorização dos bons professores. Só assim será possível corrigir o descompasso histórico entre oportunidades e resultados. Não há cota que corrija a tragédia de uma criança que passa nove anos na escola sem aprender a ler direito.

Mas há uma condição para que esse plano funcione: a escola precisa voltar a ser espaço de ensino, não de militância. A educação básica deve ser um território livre de vieses ideológicos, de identitarismo e de doutrinação. A missão da escola é formar cidadãos com capacidade crítica, não reproduzir agendas políticas travestidas de conteúdo.

Isso não se alcança com punições ou perseguições a professores. Alcança-se com incentivos. Os docentes devem ser recompensados por resultados concretos — aprendizado, desempenho, clareza didática —, e não por sua adesão a modismos culturais ou discursos ativistas. A escola deve ser lugar de acesso ao conhecimento, e não de filtragem ideológica.

Se queremos liberdade, precisamos permitir que os alunos escolham as ideias às quais desejam aderir — e isso só será possível se forem expostos a conteúdos objetivos, pluralidade de pensamento e rigor intelectual. Ninguém é livre quando é doutrinado desde cedo. Ensinar exige isenção. Doutrinar, ao contrário, é só uma forma refinada de controle.

Cotas são a face sofisticada da rendição. Rendição à mediocridade do sistema, à precariedade do ensino público, à falência de políticas estruturantes. No plano simbólico, servem para criar a ilusão de que o problema está sendo enfrentado. No plano prático, produzem uma inclusão pífia — muitas vezes marcada por altos índices de evasão — e, pior, alimentam o ressentimento. Quem estudou, lutou por uma vaga, se dedicou, e perde espaço para critérios identitários, sente-se injustiçado. A injustiça percebida não gera solidariedade. Gera raiva. E dessa raiva nasce o ódio e o preconceito que, ironicamente, se pretendia combater.

Essa dinâmica de agravar o conflito em nome da inclusão é a pior das ironias. Porque a inclusão verdadeira se dá pelo mérito. Pela igualdade de condições no ponto de partida. O que temos hoje é uma espécie de gincana identitária, em que o pertencimento a determinados grupos substitui a capacidade como critério de acesso. É a negação da justiça no nome dela.

No mais, cotas podem até aliviar a consciência da elite, mas jamais redimirão a omissão do Estado em sua missão mais básica: oferecer educação pública de qualidade, neutra e libertadora. Enquanto isso não for prioridade, a inclusão será simulacro. E o conflito, inevitável.

*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum

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