Por André Lucena
O Brasil enfrenta, nos dias atuais, um momento de profunda inquietação jurídica e social. Episódios reiterados de violações a direitos fundamentais, garantias processuais e princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito suscitam preocupações legítimas quanto ao fortalecimento de práticas que remetem a um estado de exceção velado.
Garantias Constitucionais Sob Ameaça
A Constituição Federal de 1988, marco do pacto democrático nacional, estabelece princípios inegociáveis, como o devido processo legal (art. 5º, LIV), o juízo natural (art. 5º, LIII), a individualização da conduta (art. 5º, XLVI), o sistema acusatório (art. 129, I), e o duplo grau de jurisdição (art. 5º, LV). Contudo, constata-se uma escalada de práticas que tensionam esses preceitos:
1. Violações à Competência Jurisdicional
Inúmeros relatos evidenciam a ampliação de competências de magistrados em desacordo com o princípio do juízo natural. O deslocamento arbitrário de competências, sem amparo legal ou constitucional, fere gravemente a estabilidade institucional e o direito ao julgamento imparcial.
2. Inquéritos Sem Denúncia do Ministério Público
A perpetuação de inquéritos que não resultam em denúncias formais, conduzidos diretamente pelo Poder Judiciário, afronta o modelo acusatório estabelecido pela Constituição. O Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal pública, e a sua marginalização no processo fragiliza o equilíbrio do sistema de justiça.
3. Criminalização de Vulneráveis
Prisões arbitrárias de autistas, moradores de rua e outros grupos vulneráveis refletem a seletividade penal, incompatível com os objetivos fundamentais da República (art. 3º da CF). Tal postura, além de inconstitucional, reforça desigualdades e viola o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
4. Ataques à Liberdade de Expressão e ao Direito de Defesa
Relatos de intimidações a jornalistas, tortura de detidos e a criação de um clima de medo entre advogados que temem se expressar ou atuar livremente indicam um retrocesso preocupante no exercício pleno da cidadania e da advocacia.
Clamor Nacional por Justiça e Respeito à Democracia
A perpetuação de práticas autoritárias representa um alerta para toda a sociedade. Quando até mesmo os advogados, indispensáveis à administração da Justiça (art. 133 da CF), sentem-se cerceados, é sinal de que a democracia encontra-se fragilizada.
É imperioso lembrar que o devido processo legal não é uma concessão estatal, mas uma conquista histórica, fruto de lutas pela limitação do arbítrio. O direito à ampla defesa, à presunção de inocência e à proteção contra abusos de poder não são favores, mas pilares de qualquer sociedade civilizada.
A Responsabilidade do Sistema de Justiça
A atuação do sistema de justiça, notadamente do Poder Judiciário e do Ministério Público, deve estar comprometida com a preservação da ordem constitucional. A Justiça não pode se converter em instrumento de opressão, mas deve permanecer como guardiã dos direitos fundamentais.
O apelo que se faz à Nação é pelo retorno à legalidade, à proteção irrestrita das garantias fundamentais e à rejeição de práticas que lembram períodos sombrios da nossa história. Um país que tolera o arbítrio compromete não apenas o presente, mas também o futuro das próximas gerações.
Neste momento de crise, cabe à advocacia, enquanto bastião da cidadania, erguer a voz em defesa da Constituição. É essencial que o Estado Democrático de Direito prevaleça, reafirmando que não há poder acima da lei e que os direitos fundamentais não são negociáveis.
Que possamos, como sociedade, refletir sobre as palavras do preâmbulo de nossa Constituição: “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Este é o Brasil pelo qual devemos lutar, com coragem, juridicidade e compromisso ético.