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O Homem que Disse Não à Barbárie: Uma Despedida a Mario Vargas Llosa

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“Minha obra tem um fio que a atravessa de ponta a ponta: o repúdio visceral a toda forma de repressão.”
— Mario Vargas Llosa

Em maio de 2014, escrevi um texto movido pela urgência. Um alerta contra a apatia política, contra o desprezo disfarçado de superioridade que tantos cultivam quando o assunto é liberdade. O estopim daquela breve manifestação foi uma viagem: a de Mario Vargas Llosa à Venezuela, para apoiar jovens que ousavam resistir à tirania. Na época, escrevi que suas palavras precisavam ser lidas a plenos pulmões — porque o silêncio, diante da barbárie, é sempre uma forma de rendição.

Naquele texto, fiz uma pergunta incômoda: quem são os responsáveis pelos regimes totalitários e pelas ditaduras? E respondi sem rodeios: todos nós. Porque são poucos os que se preocupam com os acontecimentos políticos. Poucos os que escrevem o que pensam, passam adiante o que aprendem ou enfrentam aquilo que ameaça as liberdades individuais. Vargas Llosa enxergava isso com clareza. Sabia que o desprezo pela política, travestido de superioridade moral ou desencanto cínico, é o solo fértil onde germinam os projetos autoritários. Quando comparações tolas colocam todos os partidos no mesmo saco, quando se desprezam planos de governo, quando se acredita em salvadores da pátria ou se prega o voto nulo como rebeldia — é aí que os totalitaristas avançam. Mas Vargas Llosa acreditava na esperança ativa, não na resignação. E eu sigo com ele.

Hoje, 14 de abril de 2025, acordo com a notícia de sua morte. Aos 89 anos, parte o homem que disse não. Não ao autoritarismo travestido de justiça social. Não ao populismo que sequestra a linguagem para destruir a realidade. Não à covardia que veste a neutralidade como manto. Vargas Llosa foi, até o fim, um liberal no sentido mais nobre do termo: aquele que entende a liberdade como valor anterior ao Estado, inegociável mesmo diante das multidões.

Não foi apenas um romancista brilhante — foi um intelectual com coragem. Recusou-se a ser cúmplice. Em um continente marcado por ditadores de todos os matizes, Vargas Llosa fez o impensável: expôs os falsos profetas da esquerda com a mesma clareza com que denunciava os crimes da direita. Recusou o autoengano. E por isso mesmo, foi odiado pelos guardiões da ortodoxia revolucionária — aqueles que transformam a ideologia em seita, a política em liturgia e a verdade em instrumento de poder.

Em 2023, publicou seu último romance, Dedico a Você Meu Silêncio. E antes de morrer, revelou que desejava escrever sobre Sartre, seu antigo mestre. “Será a última coisa que escreverei”, disse. Mas sua obra verdadeira, aquela que não cabe em páginas nem se encerra em prêmios, foi o exemplo. Vargas Llosa mostrou que é possível lutar com palavras, defender a liberdade com ideias, resistir sem armas — e ainda assim travar uma guerra.

Ele sabia, como Hayek, Mises e todos os que já enfrentaram a escuridão, que a barbárie se alimenta do silêncio. Por isso não calou. E por isso nós, hoje, não devemos calar.

O grande escritor compreendia, como poucos, que a liberdade exige vigilância constante — sobretudo quando o inimigo não veste farda, mas se disfarça de redentor. Denunciou, ao longo da vida, os métodos usados por regimes totalitários para controlar consciências e silenciar dissidências. Como escreveu com clareza cortante:

“Todas as ditaduras, de direita ou de esquerda, praticam a censura e usam a chantagem, a intimidação e o suborno para controlar o fluxo de informação.”

Que sua despedida nos sirva de lembrete: os bárbaros não descansam. E a liberdade, como ele repetiu em tantas ocasiões, não se defende sozinha. Ou a escolhemos com clareza e coragem — ou a vemos desaparecer, disfarçada de justiça, dissolvida pelo medo, sufocada pela indiferença.

Vargas Llosa nos ensinou que a literatura e o pensamento crítico são armas poderosas contra a opressão. Seu legado permanece como um farol para todos os que se recusam a aceitar a tirania e ainda acreditam que a liberdade vale a pena.

*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum

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