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Jornal tradicional suíço chama STF e Judiciário de “casta intocável”

Alguma coisa aconteceu na imprensa da terra do chucrute desde a virada, porque agora temos o segundo exemplo de jornal em língua alemã criticando sem dó o Judiciário brasileiro e suas práticas estranhas.

“Luxo e nepotismo: como a elite do Judiciário brasileiro abusa de seu poder” é o título da reportagem assinada hoje por Alexander Busch, de São Paulo, para o jornal NZZ (sigla para Novo Jornal de Zurique, em alemão), fundado em 1780, um dos veículos de comunicação mais respeitados da Suíça.

Busch não pega leve com o Supremo Tribunal Federal. O jornalista começa convidando os seus leitores a imaginar se alguém toleraria que um juiz do Tribunal Federal da Suíça fizesse um encontro anual de lobby em algum resort de luxo do Caribe. É uma referência explícita ao Gilmarpalooza, realizado pelo ministro Gilmar Mendes do STF todo ano em Lisboa.

Os convidados “incluem não apenas metade do tribunal e dezenas de advogados influentes, mas também políticos, membros do governo e altos funcionários públicos”, diz a reportagem. “O evento, que dura vários dias, é patrocinado por empresas que são clientes dos advogados ou têm casos pendentes no tribunal. Este é exatamente o cenário que ocorre anualmente no Brasil”.

O NZZ explica que os custos não são divulgados, mas deputados, senadores e servidores “têm suas despesas de viagem reembolsadas pelo Estado”. Luíz Roberto Barroso, presidente atual do STF, é citado como um dos ministros que “não demonstram preocupação com a possibilidade de conflito de interesses”.

Salário “só dá para meus brincos”

O jornal suíço-alemão cita o livro O País dos Privilégios, do advogado e economista brasileiro Bruno Carazza. O autor “detalha como, em 36 anos de democracia, juízes e procuradores no Brasil ascenderam a uma elite do funcionalismo público que goza de salários elevados e privilégios comparáveis aos da corte portuguesa no passado”.

Um exemplo de privilégio são os 60 dias de férias por ano aos quais os magistrados têm direito, “o dobro dos trabalhadores comuns”. A maioria dos 30 mil juízes e procuradores vende parte das férias, recebendo salário regular, abono de férias e bônus de um terço do salário, “tudo isso isento de impostos”. O NZZ cita os penduricalhos: “recebem auxílios para moradia, alimentação, transporte, vestuário, funerário e tratamento odontológico. Planos de saúde para toda a família também são pagos pelo Estado, assim como despesas com educação de filhos até os 24 anos”. São “68 tipos de benefícios, subsídios e indenizações” dos quais sabemos somente porque o Tribunal de Contas da União obrigou o Judiciário a listá-los.

Sem citar seu nome, dizendo que algumas das autoridades do Judiciário mesmo assim não estão satisfeitas com sua renda, o NZZ mencionou o caso da procuradora Carla Fleury de Souza, do Ministério Público de Goiás, que alegou em meados de 2023 que o salário de R$ 37 mil é pouco e “só dá para meus brincos, as minhas pulseiras e os meus sapatos”. Ela disse ter “dó” dos promotores em início de carreira, por ganharem tão pouco.

O jornal suíço acusa os juízes e procuradores de usarem os penduricalhos para “contornar o teto salarial”. Em 2023, “93% dos magistrados ganharam mais do que o teto permitido por lei”.

Essa mentalidade, afirma a reportagem, faz com que o Judiciário brasileiro custe cinco vezes mais que o suíço em relação ao produto interno bruto de cada país. No Brasil, o custo é de 1,61%, na Suíça, é de 0,28%.

O NZZ reconta a virada de postura do STF contra a Lava Jato. “Inicialmente, o STF apoiou as investigações. Porém, quando juízes começaram a ser investigados, bloquearam os processos e anularam condenações, apesar das provas robustas”.

O Judiciário brasileiro é uma “casta intocável”, afirma o jornal suíço

Ao dizer que o Judiciário do Brasil é uma “casta intocável”, o NZZ dá como exemplo a carreira do ministro aposentado Ricardo Lewandowski, agora ministro da Justiça de Lula. Após sua aposentadoria, “foi contratado como consultor jurídico pela holding J*F, frequentemente envolvida em casos de corrupção no Supremo. Um ano depois, voltou ao serviço público como ministro da Justiça no governo Lula. Além disso, Lula nomeou seu advogado pessoal, Cristiano Zanin Martins, como ministro do STF”.

Em conclusão, citando Bruno Brandão da Transparência Internacional, o jornal conclui que os conselhos de ética do Judiciário “tornaram-se associações que defendem os interesses da elite jurídica”.

É a segunda vez nas últimas semanas

No dia 31 de dezembro de 2024, outro jornal em língua alemã, Handelsblatt, fundado em 1946 e voltado para negócios, criticou o Judiciário brasileiro no mesmo tom, publicando que “o serviço público se tornou uma casta cheia de privilégios”. A publicação também mencionou “nepotismo e aproveitamento”.

Foi citado o ministro Alexandre de Moraes, por alegar que os magistrados não precisam de um código de conduta pois supostamente “já se orientam pelo comportamento ético que a Constituição lhes prescreve”.

Ambos os jornais creditaram ao Judiciário e ao STF o papel de barrar o ex-presidente Jair Bolsonaro de “invalidar as eleições de 2022” (como colocou o NZZ) e “declarar ilegais as eleições de 2022” (nas palavras do Handelsblatt). Os veículos de comunicação, contudo, não acusaram Bolsonaro de tentar um golpe de Estado.

(Crédito das imagens: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Erratum: uma versão anterior deste texto chamou o NZZ de “jornal alemão”, mas ele tem sede na Suíça, apesar de ser publicado em língua alemã.

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Eli Vieira

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