O partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que teve 20,8% dos votos nas eleições parlamentares do último fim de semana e vai dobrar suas cadeiras no Bundestag (parlamento), é de “extrema direita”, diz o UOL. A BBC prefere chamar de “direita radical”; o portal Terra, de “ultradireita” e a Deutsche Welle (DW) repete o “extrema direita”. Importante; a DW é pública e estatal, financiada por impostos federais da Alemanha.
A adjetivação negativa do partido que conquistou um quinto dos alemães não é universal na imprensa. A Gazeta do Povo, de linha editorial conservadora, chama a AfD de “direita nacionalista”. Os xingamentos vêm da imprensa progressista e são introduzidos em textos noticiosos, nos quais os veículos de comunicação supostamente fazem um esforço maior na direção da neutralidade. Se seguirmos a “Lei de O’Sullivan”, segundo a qual “todas as organizações que não são explicitamente de direita com o tempo se tornarão de esquerda”, podemos afirmar que “imprensa progressista” é a maior parte da imprensa.
Há alguns problemas em rotular a AfD como extrema: por exemplo, é o partido de preferência dos LGBT. Uma pesquisa com mais de 60 mil usuários do aplicativo Romeo, o segundo favorito para encontro LGBT na Alemanha depois do Grindr, mostrou que a AfD é o partido favorito das minorias sexuais.
Quase 28% dos usuários do Romeo disseram que votariam na AfD nas eleições, contra 20% para o Partido Verde.
A preferência dos LGBT pela AfD foi ainda mais marcante entre os mais jovens. Enquanto menos de 20% dos maiores de 60 anos manifestaram intenção de votar no partido, mais de um terço dos gays, lésbicas, bissexuais e transexuais com menos de 25 anos manifestou essa intenção.
É um baque para a narrativa progressista, afinal a suposta “extrema direita” deveria causar aversão instantânea nos LGBT. Por que isso aconteceu?
“Há muitas vizinhanças que não podemos mais visitar por medo de sermos feridos, atacados ou assassinados”, disse à revista britânica The Spectator o homem gay Ali Utlu, cidadão alemão de origem turca.
A opinião de Utlu não é isolada. Quando a chanceler Angela Merkel abriu as fronteiras da Alemanha para um influxo vultoso de imigrantes, boa parte dessas pessoas tinha origem em culturas islâmicas que não aceitam liberdade para as minorias LGBT.
Quem concorda com o imigrante turco é Barbara Slowik, chefe da Polícia de Berlim. Há poucos meses, ela avisou que há áreas da capital “nas quais aconselho pessoas que usam o quipá [chapeuzinho judeu] ou são abertamente gays ou lésbicas a tomar mais cuidado”.
“Acho que os partidos de esquerda pensaram que a única coisa com a qual os gays se preocupam são seus próprios direitos”, disse David, um estudante gay que não quis informar o sobrenome. Ele disse que votaria na AfD por causa de “imigração, economia e segurança”.
A própria Spectator, apesar de não ser uma revista progressista, chama a AfD de “direita dura” e tenta forçar um alinhamento histórico da “extrema direita” com os gays com o caso de um político austríaco que morreu em um acidente de trânsito em 2008, Jörg Haider. “Seu sucessor político alegou que sua relação era ‘especial’ e ia ‘além da amizade’. Haider era, contudo, casado e com filhos e sua homossexualidade era escondida do público”, completou a revista.
A líder da AfD é Alice Weidel, uma lésbica que tem uma morada nascida no Sri Lanka — o que causa problemas para a narrativa de a AfD ser “extrema direita” tanto no campo LGBT como no campo do combate à imigração.
O único problema que a AfD parece ter com o tema LGBT é que quer revogar uma lei de autoidentificação que permitiu que homens se declarassem mulheres apenas pelo preenchimento de um formulário, ficando assim livres para entrar em espaços exclusivamente femininos.
Se a AfD for de “extrema direita” por isso, então também é extrema a Assembleia Médica Alemã, maior encontro de profissionais de saúde do país, que em junho passado aprovou por ampla maioria uma resolução pedindo que a lei seja alterada para abandonar o critério da autodeclaração como suficiente para o reconhecimento legal da condição transexual.
Não estou negando que a AfD possa de fato ser considerada de “extrema direita”. Se é ou não, é muito mais uma questão de opinião. Jornalistas fingindo que sua mera opinião é algum tipo de classificação científica lineana são um problema para a credibilidade da imprensa.