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Desembargador explica à imprensa que não pode chamar penduricalho de penduricalho

O assunto do dia é um artigo do desembargador Ricardo Pessoa de Mello Belli, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), no Estadão, com título “Fake News”.

Belli parece profundamente incomodado com o uso pela imprensa do termo “penduricalhos”, que, segundo ele, tem conotação “pejorativa” e “longe da imparcialidade”.

No lugar, propõe que os penduricalhos sejam chamados de “diferenças remuneratórias não satisfeitas no momento oportuno” e “verbas indenizatórias pagas, sobretudo, a magistrados”.

A novilíngua se justificaria, ainda segundo Belli, pelas “dificuldades e sacrifício” a que estão submetidos nossos magistrados, que trabalham mais de dez horas diárias, “inclusive aos fins de semana”.

Em 2024, Ricardo Pessoa de Mello Belli recebeu um milhão, quatrocentos e trinta e três mil, duzentos e dezessete reais (R$ 1.433.217,93) em vencimentos, gratificações, indenizações e vantagens eventuais.

Desse total, 66,9% seriam “diferenças remuneratórias não satisfeitas no momento oportuno”.

Os holerites do juiz estão publicados no site do tribunal, mas ele não parece a favor de tamanha transparência.

Em julho de 2012, segundo o site Consultor Jurídico, Belli classificou a publicação de holerites de servidores e agentes públicos (como ele) de “aberração jurídica”, disse que o procedimento violava “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.

Seria, portanto, inconstitucional.

O “bordão segundo o qual o contribuinte teria direito de saber o valor da remuneração recebida pelos servidores públicos”, escreveu Belli, é “simplista e falacioso”.

No mesmo portal, em setembro de 2017, o juiz publicou outro artigo criticando a imprensa pela abordagem sobre supersalários (sim, já se debatia isso), dizendo que os “juízes brasileiros, a imensa maioria dos quais, com absoluta retidão e sacrifício pessoal e familiar, se dedica diuturnamente à árdua missão de julgar” e que estariam “sendo julgados por órgãos de imprensa sem os cuidados que se espera”.

Segundo o desembargador, os juízes estavam “sendo sumariamente expostos à opinião pública como indivíduos de probidade no mínimo duvidosa, que se locupletam do dinheiro público”. Ele reclamava também que essa imprensa não retravava a importância dos juízes para a democracia, nem destacava os méritos do Judiciário.

Belli dizia que “editorialistas e comentaristas loquazes, dando ares de grandes jurisconsultos, se manifestam de maneira visivelmente tendenciosa e iracunda”.

No final de 2023, o Tesouro Nacional revelou que o Brasil paga 1,61% de seu PIB para o Judiciário. São quase seis vezes e meia mais que a França. Pergunto ao leitor: você sente que está com um sistema de Justiça seis vezes e meia superior ao da França? Ou cinco vezes e meia melhor que o da Suíça? Ou 4,6 vezes melhor que o de Portugal?

Ou estamos com um Judiciário que estende a quase seis anos inquéritos ilegais para perseguir críticos? Que interfere na segurança pública do Rio de Janeiro, que faz ativismo judicial para criar e alterar leis ao sabor dos ventos ideológicos, que silencia as contas dos cidadãos comuns nas redes sociais?

Jamais me manifestaria de forma iracunda, não estivesse me sentindo um jurisparasitado por bancar um sistema grande demais, ineficiente demais e ideológico demais. Estou puto, mesmo!

Para o desembargador, é uma “necessidade” que seu cargo seja prestigiado, para atrair mais juízes com “boa formação e estatura cultural, intelectual e moral”. Eu também acho que os professores deveriam ser ainda mais prestigiados, por terem a tarefa de formar gerações com estatura cultural, intelectual e moral.

Mas tenho que lidar com inúmeras denúncias recentes de desembargadores negociando sentenças, como em Mato Grosso, na Bahia, em Tocantins e até em São Paulo. Tenho que assistir a Dias Toffoli usando o episódio em que policiais jogaram um criminoso da ponte em SP para justificar a regulação das redes e a derrubada do artigo 19 do Marco Civil da Internet!

Quem dera os altos salários e penduricalhos fora do teto garantissem blindagem “a influências perniciosas”, além de “serenidade e consequente imparcialidade”, com alega Ricardo Belli.

Eu também ouvi Luís Roberto Barroso, presidente do STF, dizendo que a denúncia contra Jair Bolsonaro será apreciada “com seriedade” e com a visão do direito, que “não é uma visão politizada”. O mesmo Barroso do “perdeu, mané, não amola” e do “nós derrotamos o bolsonarismo”.

Eu adoraria viver no mundo jurídico desenhado por Ricardo Belli em seu artigo, mas ele só existe lá. Ou talvez nem lá, já que ele usa o artigo, não apenas para se defender, mas ameaçar a imprensa crítica com um processo por danos morais coletivos.

Imagino que uma eventual indenização multimilionária será revertida para alguns dos fundos especiais de um Judiciário, que, segundo Barroso, dá até lucro.

(Crédito da foto: TJ-SP)

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Eli Vieira

Eli Vieira

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