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A escolha de Lula para a Anvisa: insistência em perfil ideológico para órgão técnico

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Hoje, o presidente da República pediu a troca de um diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. A razão é o término do mandato do advogado Alex Machado Campos, herdado do governo Bolsonaro, que renunciou em 2023.

Luiz Inácio Lula da Silva escolheu para o cargo o advogado Thiago Lopes Cardoso Campos, uma quase certa indicação do senador Jaques Wagner (PT-BA). O senador já havia indicado o mesmo nome (sem sucesso) para a secretaria de Saúde da Bahia, segundo o site O Bastidor.

Como sabemos do caso da indicação de Marcio Pochmann para o IBGE, o governo Lula atingiu níveis inéditos de falta de hesitação em nomear para órgãos técnicos pessoas com perfil ideológico.

O caso da Anvisa é menos dramático, mas ainda informativo. A primeira pergunta a se fazer, olhando para o perfil dos dois nomes acima, é por qual motivo há uma preferência por advogados em um órgão que tem mais a ver com medicina e ciências biológicas.

Não precisava ser assim. Na verdade, Lula já tinha indicado um perfil mais técnico em dezembro passado: Diogo Penha Soares, um enfermeiro com carreira no serviço público desde 2005, especializado em Vigilância Sanitária, que exerce o cargo de coordenador-geral de Base Mecânica, Eletrônica e de Materiais no Ministério da Saúde.

Discreto, Soares tem poucas manifestações públicas. Em setembro do ano passado, representou seu ministério em uma audiência pública no Senado, em que defendeu a produção nacional de insumos e tecnologias de saúde, criticou a carga tributária neste setor e defendeu isenções para a saúde na Reforma Tributária que favorecessem o SUS.

Mas o enfermeiro, que não chegou a ser sabatinado pelos senadores (o Senado chegou a pedir perguntas do público para a sabatina), acabou substituído pelo advogado.

Quem é o indicado de Lula

À primeira vista, Thiago Lopes Cardoso Campos pode parecer uma indicação técnica. Ele é vice-presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA) e se diz um advogado sanitarista.

Mas os detalhes dizem mais que as aparências. As poucas manifestações públicas do advogado são carregadas de ideologia. Quando ele foi indicado pela OAB entre os candidatos para desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em 2023, ele comemorou a indicação ressaltando, depois da profissão, suas características raciais. Não diz muita coisa por si só, mas, convenhamos, é hoje um hábito associado à esquerda.

Se restavam dúvidas, elas são completamente sanadas em um artigo publicado por Thiago Campos no site Migalhas, especializado no mundo jurídico, em novembro passado. O texto defende o fim da jornada 6×1, uma pauta encabeçada pelo PSOL. Os argumentos dele são todos previsíveis a partir da ideologia antimercado da esquerda: “não é apenas uma escala de trabalho; é o retrato de um sistema que perpetua desigualdades, aprofunda injustiças e compromete a saúde física, mental e social de milhões de brasileiros. Trabalhar seis dias consecutivos para descansar apenas um não é somente uma afronta ao trabalhador; é uma agressão silenciosa às famílias que perdem o convívio, às crianças que crescem sem a presença dos pais e à própria sociedade, que se torna vítima de um modelo que normaliza o adoecimento e a exaustão”.

Venho usando a teoria do psicólogo social Jonathan Haidt sobre o que são esquerda e direita. Para ele, o ser humano carrega cinco “alicerces” ou “fundações” em suas preocupações morais. Esquerda é aquele modo de pensar sobre a sociedade que coloca quase todas as suas energias morais em defender cuidados para aqueles grupos que ela elege como vulneráveis. Quando a esquerda erra, é geralmente na direção de mimar esses grupos e atropelar tudo o mais que pode ser importante.

O texto do advogado é uma prova eloquente da precisão da teoria: custos, funcionamento da economia, escassez de recursos, nada disso entra na equação do advogado. A obsessão é por oferecer cuidados que o Estado, claro, precisa bancar. Sem surpresa, ele alega que as principais “vítimas” da escala 6×1 são os negros.

“Combater a escala 6×1 é também combater o racismo estrutural e reafirmar o compromisso com a dignidade humana”, escreveu Thiago, parecendo uma metralhadora de clichês identitários.

Já trabalhei por um ano e meio na escala 6×1, coordenando uma escola de inglês. A noção de que a escala necessariamente faz mal à saúde parece uma piada escrita pelo Chespirito para ser dita pelo Seu Madruga.

Recentemente, em janeiro, Thiago Campos participou de um “Seminário Internacional de Teoria Crítica em Direitos Humanos” em Sevilha, na Espanha. O que você precisa saber sobre o que a esquerda chama de “teoria crítica” está na imagem abaixo contendo uma frase de um dos fundadores da área, o filósofo Herbert Marcuse.

IDISA: associação privada regada a dinheiro público

O IDISA, do qual o advogado é vice-presidente, merece mais comentário. É uma associação privada sediada em Campinas, que basicamente orbita o SUS. Tem em caixa menos de R$ 500 mil, segundo sua última prestação de contas. Esse dinheiro vem principalmente de contratos públicos, como dois firmados com a Prefeitura de Sobral (CE), entre 2023 e 2025, totalizando R$ 228 mil.

Ambos os contratos são para “serviço especializado em consultoria jurídica na área de direito sanitário”. Será que Sobral é uma cidade especialmente litigiosa na área sanitária? Alguém avise à família Ferreira Gomes!

No site do instituto, o conjunto da obra indica uma postura hostil contra as privatizações no setor do saneamento básico. A presidente do IDISA, Lenir Santos, tem criticado as privatizações desde 2020.

A propósito, o estado da Bahia, de Jacques Wagner e Thiago Campos, ainda tem alguns dos piores indicadores em saneamento no país. A Bahia tem gestão petista.

 O advogado anterior também não era lá essas coisas

Alex Machado Campos, antecessor de Thiago na diretoria da Anvisa, é outro advogado e servidor da Câmara que já foi chefe de gabinete do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Alex não era, contudo, um grande representante da ideologia do governo Bolsonaro. No final de 2022, ele foi relator do voto que levou a Diretoria Colegiada da Anvisa a restaurar a obrigatoriedade de máscaras em aeroportos e aviões. Não fazia sentido científico nenhum, como expliquei nesta reportagem que escrevi na época.

A Anvisa insistiu que estava seguindo “evidências científicas”, mas ganhou uma crítica do presidente do Conselho Federal de Medicina, que disse que o retorno da obrigatoriedade era “sinalização de virtude”.

Quando deixou o cargo em 2023, Alex foi nomeado presidente da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e mandou logo um recado: “A Compesa é imprivatizável”.

A Anvisa é composta por cinco diretores indicados pelo presidente, com mandatos de cinco anos, que têm que passar por sabatina e votação do Senado. Entre os cinco, Lula também escolhe um diretor-presidente, o cargo máximo do órgão, sem necessidade de aprovação do Senado.

No caso, a movimentação que esnobou o enfermeiro e favoreceu mais um advogado se refere à terceira diretoria da Anvisa, responsável por análise de regulamentos nas áreas de toxicologia, tecnologia de produtos para saúde (dispositivos médicos), controle de tabaco, cosméticos e desinfetantes.

Será que este governo pode desinfetar a si próprio? Não ofende perguntar.

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