Lee Jussim, psicólogo social que lidera o Laboratório de Percepção Social da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, tem sido uma pedra no sapato da ideologia política que domina as universidades.
Ele tem participado de estudos que investigam rigorosamente se alegações dos progressistas sobre a sociedade e a psicologia param em pé. Ano passado, um de seus estudos mostrou que os programas de “diversidade, equidade e inclusão” têm o efeito de piorar o preconceito, por exemplo.
Quando o entrevisto, percebo também que Jussim é uma raridade entre cientistas: um pensador que vai além da própria área, por exemplo ao comentar os efeitos nefastos do cientificismo (a bajulação exagerada da ciência).
O cientista tem mostrado, por exemplo, que estereótipos são estatísticas precisas, então é no mínimo uma grande confusão a opinião comum segundo a qual precisamos combater estereótipos para vencer o preconceito. Não são sinônimos.
Outra confusão do viés progressista e de esquerda é o ataque à “meritocracia”, a noção de que nossas hierarquias devem ser maximamente baseadas na competência, já que, ao contrário do que sonha a extrema esquerda, é impossível eliminar hierarquias. Tudo o que podemos fazer é torná-las mais justas, não por decreto, mas almejando atingir esse horizonte moral: quem manda é quem merece mandar.
Quem acredita na meritocracia discrimina menos
Jussim aponta que a busca pela expressão “o mito da meritocracia” rende quase oito mil resultados no Google Acadêmico. Quando busco “o mito do multiculturalismo”, obtenho aproximadamente 10% disso.
O que a esquerda ao redor do mundo pensa sobre meritocracia está exemplificado no livro do youtuber Felipe Neto: como apontei na minha resenha, ao mesmo tempo em que critica o próprio tio por acreditar na meritocracia e na “direita”, o influenciador conta que o tio se formou em direito após os 40 anos de idade e, com o próprio trabalho, expandiu uma meia-água em uma casa confortável de três andares. Parece que acreditar na meritocracia deu muito certo para o tio, apesar da teimosia do sobrinho. O livro, aliás, é uma pérola de incoerência, prometendo “enfrentar o ódio” em seu título enquanto prega ódio explícito contra a direita em suas páginas.
Não fica na incoerência, contudo, o problema da oposição à meritocracia: muito ao contrário do que alegam os progressistas, a crença na meritocracia é um dos preditores mais fortes de oposição à discriminação injusta.
A fonte de Jussim para essa afirmação é uma metanálise científica publicada em 2020 no Journal of Applied Psychology. Os autores, de quatro universidades americanas, concluíram que a crença na meritocracia tem a mais forte correlação negativa com a discriminação, entre um conjunto de outras crenças políticas examinadas.
Foi uma correlação negativa de 48%, o que não é pouco no contexto das ciências sociais. “É uma das maiores que eu já vi obtidas em uma metanálise”, comentou Jussim em seu blog. Para comparação, uma das maiores apostas dos cientistas sociais progressistas para explicar o preconceito nas últimas décadas foi o “viés implícito”, a ideia de que as pessoas podem não ser preconceituosas conscientemente, mas ainda podem carregar tendências negativas inconscientes contra determinados grupos. O máximo de correlação que as metanálises de um teste de viés implícito conseguiram com preconceitos foi estimado entre 10% e 30%.
Como insiste toda pessoa que quer parecer inteligente, correlação não implica necessariamente em relação de causa. Só porque duas coisas andam juntas, um uma cai enquanto outra sobe, não quer dizer que fazem isso porque uma causa a outra.
Verdade. Mas como sabemos que existe uma relação de causa por trás de uma correlação? Encontrando primeiro a correlação. Ou seja, a correlação não é indício suficiente de relação de causa, mas é indício necessário.
Como aponta Jussim, um indício de que a crença na meritocracia tem algo a ver com baixa discriminação e pouco preconceito é que 23% dos estudos usados na metanálise eram experimentos, não apenas observações. Nos experimentos, manipulamos a realidade de forma a tornar mais fácil enxergar relações de causa.
“Além disso”, acrescenta o cientista, “é difícil imaginar causalidade reversa — comportamento igualitário causa a crença na meritocracia? No mínimo, implausível”. Dadas as evidências, comenta Jussim, se o interesse é em reduzir a discriminação, “a melhor aposta é começar a encorajar os seus colegas a dar um foco de raio laser no mérito”.
Não recomendo que uma pessoa que quer se pautar pela racionalidade adote cartilha política nenhuma. Melhor que isso é ter clareza nos valores e não aderir a modas que contrariem esses valores porque são o que está em voga em sua própria tribo. Como já disse antes, o sinal mais disponível de que uma pessoa pensa com a própria cabeça em vez de seguir cartilhas é que ela tem uma combinação surpreendente de crenças. É o efeito do evangélico vegano, como eu disse, meio brincando, mas também com seriedade. Ou, para nossos propósitos: o efeito do progressista pró-meritocracia.
Quer ser contra o preconceito e a discriminação injusta? Defenda a meritocracia. É o que recomenda a ciência.