A discussão sobre a implementação do semipresidencialismo no Brasil frequentemente ressurge em momentos de crise no Poder Executivo, especialmente quando a reputação do governo e do presidente da República estão em declínio.
Atualmente, durante o terceiro mandato presidencial de Lula, essa pauta volta à tona, impulsionada por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa instituir o semipresidencialismo e o voto distrital misto a partir das eleições de 2030 (Câmara dos Deputados).
No sistema semipresidencialista, o presidente eleito pelo voto popular direto compartilha o poder com um primeiro-ministro, nomeado por ele após consulta aos partidos com maior representação na Câmara dos Deputados. O presidente atua como chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas, enquanto o primeiro-ministro, juntamente com o conselho de ministros, chefia o governo e é responsável pela elaboração e execução do programa governamental.
Um dos argumentos a favor dessa mudança é a possibilidade de maior estabilidade administrativa, já que a substituição de um primeiro-ministro seria mais simples e menos traumática do que a de um presidente. Além disso, políticos do “centrão” — blocos parlamentares que, embora consigam formar maiorias no Congresso, não possuem popularidade suficiente para vencer eleições majoritárias — poderiam se beneficiar, assumindo posições de destaque no governo sem necessitar do voto direto do eleitorado.
Contudo, essa perspectiva merece uma análise mais aprofundada. Atualmente, os presidentes da Câmara dos Deputados detêm considerável poder e influência, controlando a agenda legislativa e posicionando aliados em cargos estratégicos, sem a responsabilidade direta pela execução de políticas governamentais ou o risco de sofrerem processos de impedimento. Exemplos recentes incluem Rodrigo Maia, Arthur Lira e Hugo Motta, que foram eleitos com ampla maioria e apoio de diferentes espectros políticos, exercendo significativa influência na condução dos trabalhos legislativos (Senado Federal).
No contexto de um governo de esquerda, um primeiro-ministro oriundo do “centrão” poderia enfrentar oposição de partidos como o PL, dificultando a formação de uma base de apoio sólida. Além disso, sendo o primeiro-ministro responsável direto pelos sucessos e fracassos do governo, haveria um aumento nas articulações para sua destituição, dada a relativa facilidade para removê-lo do cargo em comparação com um presidente.
Outra desvantagem relevante para o centrão no semipresidencialismo seria a possibilidade de o presidente da República dissolver o Congresso e convocar novas eleições legislativas, uma prerrogativa comum em países que adotam esse sistema. Isso significaria um risco adicional para líderes do centrão, pois a instabilidade política gerada pela queda de um primeiro-ministro poderia desencadear a dissolução do Parlamento e novas eleições, nas quais muitos parlamentares poderiam não ser reeleitos. Ou seja, ao contrário do atual cenário em que os presidentes da Câmara possuem estabilidade e conseguem atuar como mediadores das crises políticas, um eventual semipresidencialismo traria um novo componente de incerteza, tornando o jogo de poder mais arriscado.
Ademais, a figura do primeiro-ministro poderia esvaziar as atribuições atualmente exercidas pelo presidente da Câmara, que retornaria a um papel predominantemente administrativo, focado na gestão de recursos e pessoal, além de funções protocolares.
Historicamente, líderes do “centrão” têm atuado como “reis sem responsabilidade”, usufruindo de poder sem a correspondente responsabilização direta. No modelo semipresidencialista, ao assumirem o papel de primeiro-ministro, passariam a ser “reis com responsabilidade”, sujeitos às consequências diretas de suas decisões e à instabilidade inerente ao cargo.
Portanto, não é evidente que a adoção do semipresidencialismo traria vantagens práticas para os políticos do “centrão”. A mudança poderia, na verdade, expô-los a riscos e responsabilidades que atualmente não enfrentam, sem garantir os benefícios esperados. Além de perder poder na Câmara, os líderes desse grupo poderiam se ver diante da ameaça de novas eleições a qualquer momento, tornando o ambiente político ainda mais volátil.
* Thiago Esteves é mestre em Ciências Políticas pela Escola da Câmara dos Deputados, advogado e sócio da Eixo Relações Institucionais
Respostas de 2
Não vi demeritos…
Ou seja, o semi presidencialismo é um risco apenas para o Centrão? O povo perde parte do seu poder, o seu direito de exercer “todo o poder”, seria administrado por alguém que ele não concorda e nem tampouco apóia e o prejudicado seria “o Centrão”. Tem muito mais prejuízos nisso. E obviamente, como já foi demonstrado por plebiscitos passados, o povo não quer outro sistema de governo. O povo quer governantes sérios e competentes. E para isso, não precisa mudar o sistema de governo, só é preciso mudar os seus integrantes.