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TikTok e Suprema Corte: Os Limites da Justiça Constitucional

Por Leonardo Corrêa*

 

A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos (“SCOTUS”, na sigla em einglês), no caso envolvendo o TikTok, não é um julgamento sobre liberdade de expressão, como muitos afirmam. Trata-se, acima de tudo, de um exame técnico e constitucional de uma legislação aprovada pelo Congresso, com apoio bipartidário, que determinou medidas de desinvestimento devido a preocupações com a segurança nacional. A Corte, portanto, analisou os limites dessa legislação e a compatibilidade com a Constituição, e não o direito dos americanos de se expressarem.

Os que criticam a decisão como um ataque à liberdade de expressão partem de uma premissa equivocada. A SCOTUS, como lembrou o Chief Justice John Roberts em outro caso emblemático (National Federation of Independent Business v. Sebelius), não está encarregada de proteger o público “das consequências de suas escolhas políticas” e tampouco de fazer julgamentos sobre políticas públicas. Sua função, como ressaltou, é interpretar a lei dentro dos parâmetros constitucionais.

No caso do TikTok, a lei não impõe censura nem regula o conteúdo postado pelos usuários. Em vez disso, ela responde a uma preocupação específica: a relação da empresa controladora da plataforma, ByteDance Ltd., com o governo chinês, que tem amplos poderes legais para exigir acesso a dados sensíveis coletados pelo aplicativo. O Congresso agiu diante de um risco tangível de espionagem e manipulação, conforme documentado amplamente nos autos.

A decisão da Suprema Corte reconhece, sim, o impacto sobre os 170 milhões de usuários americanos do TikTok, mas conclui que a legislação não viola a Constituição. A lei foi considerada um instrumento válido para mitigar os riscos de que dados sensíveis de milhões de cidadãos fossem usados contra os interesses dos Estados Unidos. Como expôs a opinião da Corte, “o acesso a informações detalhadas sobre os usuários, incluindo funcionários federais, pode facilitar chantagem, espionagem corporativa e outras práticas hostis”.

É importante ressaltar que o tribunal evitou definir se o caso implicava ou não a liberdade de expressão, mas reconheceu que a lei tinha caráter predominantemente técnico, tratando de propriedade corporativa e controle estrangeiro. A legislação não limita o discurso dos americanos; ela busca evitar que um adversário estrangeiro manipule ou explore informações coletadas por meio de uma plataforma massivamente popular.

Aqueles que traçam paralelos entre esta decisão e o fechamento de gráficas na era da imprensa impressa simplificam excessivamente a questão. A diferença crucial aqui está na natureza do risco envolvido. Gráficas publicavam textos; o TikTok coleta, processa e compartilha dados em uma escala sem precedentes, com algoritmos desenvolvidos e operados sob a jurisdição de um governo que pode compelir empresas privadas a colaborar com seus interesses políticos e estratégicos.

Ademais, a decisão da Suprema Corte reflete uma deferência apropriada às escolhas feitas pelos representantes eleitos. Como enfatizado pela Corte, “devemos conceder substancial deferência aos julgamentos preditivos do Congresso” sobre questões de segurança nacional. A lei foi criada após anos de negociações e estudos, em resposta a preocupações concretas, e não como um instrumento arbitrário para restringir o uso de uma plataforma específica.

O ponto mais preocupante levantado por críticos é o precedente que essa legislação pode estabelecer para o futuro controle governamental sobre redes sociais. É uma questão legítima, mas não foi o cerne deste caso. A decisão da Suprema Corte deixa claro que a análise se limitou à constitucionalidade desta lei específica, dentro de um contexto particular e em resposta a riscos devidamente documentados. Ao contrário do que dizem os críticos, a decisão não coloca a segurança nacional acima da liberdade de expressão. Ela reflete um esforço consciente para equilibrar dois pilares fundamentais de uma democracia: a proteção dos direitos individuais e a defesa da soberania contra ameaças externas. Como bem declarou o tribunal, “o problema é real, e a resposta a ele não é inconstitucional”.

Nesse passo, vale explicar a razão pela qual o Judicial Engagement de Randy Barnett não se aplica ao caso. O argumento do Professor de Direito Constitucional, de Georgetown University, defende que os juízes avaliem ativamente se as leis restringem direitos fundamentais de maneira injustificada ou desproporcional. No caso da proibição do TikTok, a Suprema Corte aplicou um nível intermediário de escrutínio, concluindo que a legislação atendia a um interesse governamental legítimo – a proteção da segurança nacional contra possíveis abusos relacionados ao controle do governo chinês sobre dados de cidadãos americanos.

A decisão considerou a medida proporcional ao risco apresentado, enfatizando que não se tratava de censura de conteúdo ou discriminação de ideias, mas de uma necessidade justificada por evidências. Esse raciocínio está alinhado com o princípio de Barnett de que as restrições legais devem ser rigorosamente justificadas, especialmente quando envolvem direitos constitucionais, como a liberdade de expressão, mas que, em certos contextos, preocupações legítimas de segurança podem prevalecer desde que devidamente demonstradas.

Portanto, não se trata de silenciar os americanos ou de um ataque à liberdade de expressão. Trata-se de proteger o país de riscos que, embora possam parecer invisíveis no dia a dia, têm o potencial de comprometer sua segurança e estabilidade de maneira irreversível. É uma decisão que reafirma os limites do poder judicial e sua função constitucional, sem jamais ignorar o impacto profundo das escolhas políticas. Nesse passo, vale traçar um paralelo entre a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o caso TikTok e o voto do Ministro Dias Toffoli no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet no Brasil. A comparação ilustra abordagens radicalmente distintas quanto ao papel do Judiciário.

Nos Estados Unidos, a SCOTUS limitou-se a julgar a constitucionalidade de uma legislação aprovada pelo Congresso, que trata exclusivamente de questões de segurança nacional. Não houve menção a termos vagos como “desinformação” ou “discurso de ódio”; em vez disso, a decisão, focada no controle estrangeiro da plataforma TikTok, reforça a deferência do Judiciário às escolhas legislativas. Como afirmou o Chief Justice John Roberts no caso citado acima, “Não é nosso trabalho proteger o povo das consequências de suas escolhas políticas”. Essa deferência contrasta com o voto de Toffoli, que enveredou por uma análise abrangente, incluindo fenômenos como desinformação e discurso de ódio, temas que extrapolam o que está diretamente disciplinado no artigo 19 do Marco Civil.

O foco da SCOTUS foi estritamente técnico: avaliar se a legislação que regula a propriedade de empresas estrangeiras é compatível com a Constituição, respeitando os limites impostos pela lei. Por outro lado, no Brasil, o voto do Ministro Toffoli adotou uma abordagem mais expansiva, utilizando a análise do Marco Civil como oportunidade para abordar questões mais amplas, como os impactos da desinformação e do discurso de ódio no ambiente digital.

Essa diferença de enfoques revela a essência de cada sistema jurídico. A Suprema Corte americana demonstrou autocontenção, respeitando o papel do Legislativo e manteve-se nos limites impostos pela Constituição. Em contrapartida, o voto de Toffoli reflete um Judiciário brasileiro mais ativo, que busca preencher lacunas percebidas na legislação, mesmo que isso signifique ir além do texto legal para tratar de questões como desinformação e discurso de ódio, que não foram originalmente contempladas pelo Marco Civil.

Enquanto a SCOTUS reafirma a separação de poderes e a primazia das escolhas democráticas feitas pelo Legislativo, a abordagem de Toffoli exemplifica o ativismo judicial, que frequentemente leva o Judiciário a protagonizar debates que, em outras democracias, seriam tratados pelas instituições políticas.

Diante dessas diferenças de abordagem, é essencial refletirmos sobre o papel que desejamos para uma Corte Suprema. Queremos uma instituição que se atenha estritamente à letra da lei, mesmo que isso leve a decisões desalinhadas com as expectativas imediatas da sociedade? Ou preferimos uma que, em nome de valores mais amplos ou necessidades sociais percebidas, assuma um papel mais ativista, ultrapassando os limites do texto legal para moldar novas direções jurídicas? Essa escolha é fundamental para definir os rumos de nossas instituições jurídicas e suas implicações para a democracia e o equilíbrio entre os poderes.

 

* Leonardo Corrêa — Advogado, formado pela PUC-RIO, com LL.M pela University of Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti – Advogados e Presidente da Lexum

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