É compreensível toda essa emoção dos fãs de Gusttavo Lima querendo vê-lo como presidente da República. Afinal, é um artista consagrado, que trilhou seu próprio caminho, representa a cultura agro e tem um patrimônio bilionário, o que reduz a quase zero as chances de querer o poder para enriquecer, como ocorre na maioria dos casos com políticos profissionais. É compreensível também que o eleitor siga buscando um outsider, já que o sistema político não lhe oferece alternativa melhor. Também é natural que o eleitor bolsonarista ou à direita fique tentado a votar no cantor, caso Jair Bolsonaro não seja reabilitado ou não apareça nada melhor no cenário, ou caso apareça algo pior do lado de lá – vide São Paulo.

Imagine se Anitta ou Felipe Neto resolverem concorrer ao Planalto. Seria uma bela chapa para a esquerda, não? Num país dividido e com a cúpula da Justiça Eleitoral assumindo um lado do espectro ideológico, já podemos prever o resultado. Eu poderia me estender aqui sobre as chances de Pablo Marçal ou de Danilo Gentili, que, incomodado com a pretensão do sertanejo, saiu ontem a lançar-se também como pré-candidato e chegou a dizer que seu plano de governo está no Livro Amarelo, uma espécie de compêndio de diretrizes do MBL para o seu futuro partido Missão, em fase de coleta de assinaturas. Danilo é um showman de sucesso e merece seus fãs, mas será diferente de Pablo, Anitta, Felipe ou Gusttavo?

A política hoje é 80% comunicação e estamos diante de grandes comunicadores, mas não significa que rendam bons políticos. Lembro de Anitta numa live sobre política com Gabriela Prioli demonstrando completa e absoluta ignorância sobre questões mais básicas, sem saber se o presidente da República integra o Poder Executivo ou o Judiciário. Me pergunto qual o nível dos demais artistas que desejam se aventurar na política e sempre lembro da eleição do palhaço Tiririca, cuja ignorância acabou servindo como massa de manobra aos políticos profissionais, os fisiológicos, que adoram contar votos dos novatos para ampliar seus privilégios e poder.

Na prática, celebridades em geral têm sido usadas como Cavalo de Troia para a manutenção do sistema que querem combater. A maioria se guia pela vaidade de ocupar um cargo público, muitos não fazem ideia do que fazer quando sentam na cadeira, desconhecem os meandros da máquina pública, a lei, a Constituição. E o pior: acreditam que podem governar sozinhos ou apenas com seu grupo, sem partidos ou quadros técnicos, sem outras lideranças políticas. Se forem pessoas honestas, vão sofrer um bocado e talvez acabem inviabilizadas pelos senhores do poder. Se foram vagabundos, vão se integrar rapidamente ao jogo.

Nenhum talento sobrevive sem o domínio da técnica e nem se destaca sem inteligência emocional. Isso vale para as artes, os esportes, as ciências, sejam exatas, sociais ou humanas. Não é diferente na política. O Brasil acumula índices negativos de desenvolvimento humano, vivencia uma tragédia na educação e exibe um sistema de saúde insustentável. Com uma infraestrutura precária e atrasado tecnologicamente, é um alvo fácil para grandes nações e metacorporações. A questão cultural é ainda mais dramática, pois ela se nutre de toda essa ignorância e do atraso, num contexto geopolítico/geoconômico inédito. Não duvidem, nosso território será palco da próxima grande guerra por recursos naturais e energéticos.

Cogitar potenciais candidatos a liderar a nação com base no número de seguidores ou no tamanho da conta bancária não é, propriamente, um problema de escassez de lideranças. Mas revela muito mais sobre os próprios liderados, incapazes hoje de enxergar quais qualidades seus líderes devem ter para enfrentar tantas batalhas. Das características que mencionei acima, acrescento uma que parece ainda mais necessária: a impopularidade.