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Pagamos caro e dobrado por um transporte coletivo de Terceiro Mundo; chega!

Ricardo Nunes decidiu aumentar de R$ 4,40 para R$ 5 a tarifa de ônibus em São Paulo, um reajuste de 13,6%, abaixo da inflação de 32,77% acumulada desde 2020 – último reajuste do tipo. Em reação, o PSOL foi ao Tribunal de Justiça e obteve decisão para que a Prefeitura explique de forma técnica o aumento, que, caso mantido, vigorará a partir do dia 6 de janeiro. Para os parlamentares, o valor da nova tarifa foi definido “de maneira açodada, sem prévia convocação e, portanto, sem a possibilidade de efetiva participação popular”.

O PSOL, naturalmente, não está preocupado com o cidadão, mas usando o caso para desgastar a imagem de Nunes, que derrotou Guilherme Boulos na eleição passada. Mas não importa.

Quando analisamos os números de 2019 para cá, fica claro que a conta não fechará nunca. Segundo o regime de caixa da SPTrans, o custo operacional anual vem subindo de forma constante, pulando de R$ 8,7 bilhões para R$ 11,4 bilhões em apenas cinco anos, enquanto a receita com bilhetes variou na média, de R$ 4 bilhões para R$ 4,6 bilhões. Enquanto a diferença pela Prefeitura às empresas, chamada de compensação tarifária, mais que dobrou, de R$ 3,1 bilhões para R$ 6,7 bilhões. (veja quadro abaixo)

Evolução dos custos e receitas do transporte público municipal de São Paulo — Foto: Reprodução/SPTrans

Nesse mesmo período, o número de passageiros transportados sofreu uma queda expressiva, impactada pela pandemia, que turbinou o teletrabalho e ainda forçou muita gente a trocar o transporte coletivo pelo individual. Antes da crise sanitária, em 2019, os ônibus de São Paulo fizeram 2,6 bilhões de viagens; número que despencou para 1,6 bilhão em 2020 e que subiu para apenas 2 bilhões em 2022. (veja quadro abaixo)

Ironicamente, mesmo perdendo passageiros e realizando menos viagens, as empresas de ônibus ganharam mais no período. Segundo uma autoria do Tribunal de Contas do Município de SP, em algumas o reajuste do repasse da Prefeitura ultrapassou os 500% e o lucro no período chegou perto de R$ 1 bilhão, considerando as cerca de 30 companhias habilitadas para o transporte coletivo, incluindo ônibus comuns, grandes e micro.

Em entrevista recente, o prefeito explicou que o valor da tarifa é impactado por uma série de fatores, como preço do diesel, dissídio de funcionários, estimativa de inflação e alta do dólar. Mas não é só isso. Segundo a própria SPTrans, os operadores de transporte coletivo “são remunerados de acordo com os termos previstos no contrato de concessão, com taxa interna de retorno definida em 9,1%” e que “o lucro líquido das empresas é resultado da administração interna de cada uma”.

Na prática, o paulistano paga duas vezes para poder se deslocar dentro de uma cidade com mobilidade precaríssima: ele paga a passagem e ainda banca indiretamente o repasse da Prefeitura para os empresários. Por que diabos temos que garantir o lucro certo dessa turma? Trata-se claramente de um modelo falido, que se repete país afora e cada vez faz menos sentido para o cidadão, considerando a diversidade de modais e a competividade natural em núcleos urbanos desenvolvidos.

Faz ainda menos sentido quando nos debruçamos sobre as relações promíscuas desenvolvidas entre lideranças políticas com empresários do setor, não importando o partido, além da infiltração do crime organizado numa área econômica que já se mostrou campo fértil para a lavagem de dinheiro. Um cluster mafioso que sequestra a política, extrai dinheiro fácil do pagador de impostos e ainda o submete a um serviço mal prestado. Não se trata mais de protestar por 20 ou 60 centavos, mas de pressionar por uma mudança estrutural.

Se os vereadores de direita eleitos em outubro querem honrar seus mandatos, declarem guerra ao modelo atual de transporte coletivo e construam um novo, livre do crime e de práticas populistas, com lógica econômica e social. Terão coragem?

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Claudio Dantas

Claudio Dantas

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