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O que está por trás da mudança do controle de conteúdo da rede de Zuckerberg

Por Sérgio Burin*

O surpreendente discurso de Mark Zuckerberg sobre as mudanças nas políticas da Meta reforçou a tese de que há uma busca quase inquisitória pela censura nas redes sociais. Isso não é apenas uma resposta ao momento político. Sua declaração coloca a liberdade de expressão no centro do debate e levanta questões sobre os verdadeiros fatores que motivaram essas mudanças. Para entender as decisões da Meta, é essencial analisar o contexto histórico e as pressões políticas, econômicas e culturais que moldaram o cenário atual das plataformas digitais.

Meta e o “efeito Trump”: simplismo ou catalisador?

O retorno de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos coloca seu lado polêmico novamente no centro das atenções políticas americanas e das discussões sobre liberdade de expressão. Vale lembrar que, em janeiro de 2021, Trump foi banido do Facebook, do Twitter e de outras plataformas após o episódio do Capitólio, sob a justificativa de necessidade de conter riscos de incitação à violência. A decisão, amplamente criticada por líderes e defensores da liberdade de expressão, foi vista como um marco de censura.

Desde os escândalos da Cambridge Analytica, que beneficiaram diretamente campanhas de direita, como a de Trump em 2016, a Meta passou a ser vista como cúmplice de manipulações de dados. Posteriormente, o cenário se inverteu: a plataforma foi acusada de colaborar com o governo Biden para censurar conteúdos em nome do combate à desinformação durante a pandemia e as eleições de 2020. Essas acusações evidenciam o dilema enfrentado pela Meta: como equilibrar liberdade de expressão com as demandas de governos e o escrutínio público?

As mudanças recentes indicam uma tentativa de reposicionar a Meta como uma defensora da liberdade de expressão, além de tornar a empresa mais competitiva frente ao avanço de Elon Musk na defesa desse mesmo princípio, que também se tornou uma demanda comercial. O fim dos verificadores de fatos, que serão substituído por notas da comunidade, e o retorno do conteúdo cívico e político ao feed são decisões que vão nesse caminho, visando reduzir críticas de viés ideológico e reconquistar a confiança de usuários que enxergavam as plataformas como ferramentas de censura.

O impacto global e as pressões externas

Outro ponto que não pode ser ignorado é a crescente pressão para regulamentação das redes sociais em diferentes partes do mundo. Leis que prometem “proteger” a democracia têm servido para calar opiniões divergentes. Não é raro vermos governos empregando medidas autoritárias para silenciar cidadãos sob a justificativa de combater a “desinformação”. Em 2021, na Austrália, a polícia realizou uma busca na casa de uma mulher que havia organizado protestos contra as restrições da pandemia em redes sociais.

No Brasil, influenciadores e cidadãos foram alvo de mandados de busca e apreensão por críticas às urnas eletrônicas e às instituições, levantando debates sobre a linha tênue entre liberdade de expressão e censura.

Na Alemanha, que possui algumas das leis mais rigorosas do mundo contra discurso de ódio e desinformação na internet, a polícia conduziu operações em 2022 na casa de um homem de 51 anos. Ele era acusado de compartilhar no Facebook uma declaração falsa sobre imigração, atribuída erroneamente a um político alemão. Como parte da investigação, as autoridades apreenderam dispositivos eletrônicos do suspeito.

Embora essas leis sejam apresentadas como necessárias para combater abusos online, elas têm sido amplamente criticadas por permitirem interpretações amplas, o que pode impactar negativamente a liberdade de expressão e fomentar uma cultura de censura sob o pretexto de proteção. A legislação alemã, embora busque coibir abusos na internet, permite interpretações amplas que já resultaram em ações controversas, como buscas domiciliares e apreensão de dispositivos.

É um claro exemplo de leis inadvertidas que, sob o pretexto de proteger a democracia, frequentemente resultam em censura prévia. Esse tipo de controle não fortalece a democracia, mas a subverte, ao silenciar opiniões divergentes e limitar a livre troca de ideias essenciais para uma sociedade verdadeiramente democrática.

Enquanto os EUA ainda preservam as proteções constitucionais à liberdade de expressão, países como Alemanha, França e Brasil têm avançado com legislações que ampliam a responsabilidade das plataformas na remoção de conteúdos considerados ilegais ou prejudiciais ou ofensivos, mesmo sem decisão judicial que as obriguem.

Essa tendência global representa uma ameaça ao modelo de negócios da Meta e outras empresas de tecnologia. Zuckerberg, ao destacar o contraste entre os EUA e países como a China (onde suas plataformas são banidas), posiciona a Meta como uma defensora do ecossistema de inovação americano, utilizando a liberdade de expressão como argumento central.

As mudanças em outras plataformas e o impacto no ecossistema digital

A Meta não está sozinha nesse reposicionamento. Outras plataformas também passaram por mudanças significativas, reforçando o debate sobre liberdade de expressão:

  1. Wikipedia e as críticas de viés ideológico

Larry Sanger, cofundador da Wikipedia, deixou o projeto após criticar o que chamou de “viés esquerdista” da plataforma. Ele destacou como a curadoria de informações passou a refletir narrativas alinhadas a determinados grupos ideológicos, afastando-se da neutralidade originalmente prometida. O caso da Wikipedia exemplifica o dilema enfrentado por plataformas que dependem de comunidades para moderar conteúdo, mas acabam sendo capturadas por visões dominantes.

  1. O caso do Twitter sob Elon Musk

A compra do Twitter por Elon Musk representou uma ruptura no paradigma das grandes plataformas. Musk, defensor declarado da liberdade de expressão, prometeu transformar o Twitter em uma praça pública digital. Desde sua aquisição, mudanças drásticas ocorreram, incluindo a reintegração de contas anteriormente banidas e a implementação de ferramentas como o “Community Notes”, onde o público geral participa da verificação dos fatos, para combater desinformação sem censura explícita. Isso colocou o Twitter em confronto direto com o viés narrativo que dominava a plataforma anteriormente, fortalecendo sua imagem como um espaço mais plural.

O que as mudanças da Meta significam?

As decisões de Zuckerberg são parte de uma tendência maior. A Meta, assim como o Twitter sob Musk, está se ajustando a um novo contexto onde o público exige mais transparência e menos controle. A pressão por neutralidade, tanto de usuários quanto de governos, está forçando as plataformas a repensarem seus modelos.

O “efeito Trump” pode ter servido de catalisador para as mudanças, mas ignorar a trajetória histórica e os fatores globais seria simplificar demais o quadro. As redes sociais estão passando por uma transformação inevitável, onde o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade será o tema central.

Reflexões finais

Essas mudanças na Meta e em outras plataformas não são apenas reações a figuras políticas ou eventos isolados. A declaração de Zuckerberg, alegando existir na América Latina ‘cortes secretas’ — uma clara alusão ao STF — e aos inquéritos sigilosos usados para investigar e censurar críticos, como ocorreu no caso dos jornalistas e influenciadores em 2022), revela um ponto crítico na relação entre as grandes plataformas e o Brasil. Em um país onde o Judiciário acumula poderes que frequentemente ultrapassam limites democráticos, utilizando censura disfarçada de proteção institucional, essa fala não poderia ser mais pertinente.

Enquanto nos EUA a liberdade de expressão é protegida pela Primeira Emenda, no Brasil, ela é fragilizada por um Judiciário que concentra poderes excessivos e atua sem prestar contas. A nova postura da Meta, ao desafiar práticas autoritárias, não é apenas uma questão de princípios; é também estratégica. Ao se opor ao que ocorre no Brasil, Zuckerberg envia uma mensagem clara: a Meta, aparentemente, não será cúmplice de governos ou instituições que buscam sufocar o debate público.

Vimos recentemente o embate entre Twitter (agora chamado de X) e o ministro Alexandre de Moraes, onde a plataforma foi obrigada a suspender operações no Brasil temporariamente. O X acabou cedendo à pressão, pois o mercado brasileiro é grande e essencial para sua operação. Ainda que a Meta não tenha enfrentado um confronto direto com o STF ou Moraes, fica a questão: até onde a Meta conseguirá sustentar sua defesa da liberdade de expressão diante do autoritarismo crescente do Judiciário brasileiro?

*Sérgio Burin é gestor de redes e criador de conteúdo

 

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