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É preciso fechar a caixa de Pandora: garantias fundamentais continuam sob ameaça

A notícia publicada pela Folha de S. Paulo, que detalha a defesa de Jair Bolsonaro conduzida pelos advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno, expõe um cenário preocupante sobre o uso de acusações frágeis e delações questionáveis no debate público e judicial. O caso, que envolve acusações de tentativa de golpe de Estado, vai muito além do personagem central. Ele coloca à prova os alicerces do Estado de Direito em um contexto político polarizado e de intensa pressão institucional.

Como já discuti em 2017, no artigo “Estamos abrindo a caixa de Pandora ao reduzir garantias essenciais”, o enfraquecimento de direitos fundamentais em momentos de crise abre espaço para abusos que comprometem não apenas os acusados, mas a integridade do sistema jurídico como um todo. O cenário atual, analisado à luz dessas mesmas preocupações, revela como princípios fundamentais – como a presunção de inocência, a separação de poderes e os limites da atuação judicial – continuam ameaçados.

Na ocasião, apontei como o avanço de métodos judiciais que sacrificam princípios estruturantes – como a presunção de inocência e o devido processo legal – abria caminho para abusos e arbitrariedades. Agora, ao analisarmos o caso de Bolsonaro, vemos sinais semelhantes dessa dinâmica perigosa: acusações amparadas em delações não corroboradas e narrativas frágeis correm o risco de alimentar uma Justiça que opera por presunção de culpa, e não de inocência. Isso é alarmante porque, como ressaltei anteriormente, o uso de instrumentos processuais para justificar objetivos políticos transforma garantias fundamentais em meros obstáculos, corroendo a confiança na imparcialidade das instituições.

Outro ponto essencial é a politização das instituições judiciais. Em 2017, critiquei a instrumentalização do Judiciário para fins que extrapolavam seu papel constitucional, algo que também ressoa no caso atual. Quando juízes e tribunais parecem se mover mais pelo clima político do que pelo rigor jurídico, não é apenas o acusado que está em risco, mas o próprio equilíbrio institucional. A separação de poderes, já então ameaçada, continua sendo desafiada por um Judiciário que, ao ultrapassar seus limites, interfere no funcionamento da democracia. Decisões como a inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos – embora sustentadas por uma narrativa política forte – podem ser vistas como sintomas dessa tensão entre Justiça e política.

Esse fenômeno, que não é novo, foi objeto de outra reflexão minha, em 2019, no artigo “Decisões judiciais e o caminho para o totalitarismo”. Lá, alertei que, quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucionais e assume um protagonismo político, ele não apenas viola a separação de poderes, mas abre uma porta perigosa para o autoritarismo. A concentração de poder em uma instituição que deveria ser neutra cria o ambiente perfeito para decisões arbitrárias, que podem levar ao totalitarismo travestido de legalidade. Esse risco persiste no caso em questão, quando acusações frágeis e decisões com evidente impacto político passam a ser tratadas como a regra.

É importante deixar claro que, em 2017, não defendi os acusados da Lava Jato. Em 2019, não defendi o presidente Temer. Agora, também não defendo o presidente Bolsonaro. O que defendi, consistentemente, em todos esses momentos, foi o Estado de Direito e as garantias individuais constantes do artigo 5º da Constituição, protegidas como cláusulas pétreas pelo artigo 60. Esses valores não podem ser relativizados, independentemente de quem esteja sendo acusado ou do momento político em que vivemos. Escrevi a tese defendendo este ponto na Lexum.

Se em 2017 apontei que estávamos abrindo uma caixa de Pandora, e em 2019 destaquei o perigo do Judiciário como instrumento autoritário, hoje vejo que a situação persiste e se agrava. Acusações frágeis, politização judicial e decisões que extrapolam os limites legais continuam a testar os alicerces do Estado de Direito. É preciso reafirmar, com urgência, que garantias fundamentais não são concessões ocasionais, mas proteções universais que devem prevalecer mesmo – e sobretudo – nos momentos de maior turbulência. Afinal, a integridade do sistema jurídico depende não apenas de quem está no banco dos réus, mas de nossa capacidade de resistir à tentação de sacrificar princípios em nome de resultados imediatos.

Machado de Assis, mestre das alegorias do poder e da condição humana, nos dá uma imagem precisa para refletirmos sobre o momento atual: no conto O Espelho, o protagonista descobre que sua identidade depende de um fardão que o confere prestígio social. Sem o traje, ele não é nada. O Estado de Direito é, para a democracia, o mesmo que o espelho para o personagem de Machado – o que reflete a sua essência e a mantém íntegra. Quando trincamos esse espelho com decisões arbitrárias ou abrimos mão de princípios fundamentais, corremos o risco de perder a própria identidade democrática. Sem esse reflexo, resta apenas um simulacro de poder, desprovido de legitimidade e capaz de esmagar os direitos que deveria proteger.

Leonardo Corrêa – Advogado, Formado pela PUC-Rio, com LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados

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Leonardo Correa

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