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O Delírio Identitário de Douglas Barros

Por Leonardo Corrêa

Estava lendo um artigo de opinião na Folha de S. Paulo quando fui acometido por um súbito delírio. De repente, vi Milton Friedman discursando em um congresso feminista interseccional sobre a importância de abolir pronomes binários. Friedrich Hayek distribuía panfletos do Black Lives Matter, enquanto Ronald Reagan e Margaret Thatcher presidiam um simpósio sobre “O direito trans e o livre mercado”. O que teria causado essa visão absurda? Simples: a tese de Douglas Barros em seu livro O que é Identitarismo?, segundo a qual o identitarismo não é um subproduto do progressismo, mas sim um epifenômeno do neoliberalismo.

O artigo, assinado por Francisco Bosco, não é um simples relato jornalístico, mas uma peça de endosso à tese, tentando apresentá-la como inovadora no campo das críticas progressistas ao identitarismo. E eis aqui o primeiro problema: a esquerda percebeu que criou um monstro e agora busca desesperadamente um culpado. Como sempre, o vilão da vez é o neoliberalismo – a entidade maligna que, segundo o imaginário acadêmico brasileiro, é responsável por tudo que há de errado no mundo.

A tese de Barros é de uma audácia intelectual digna de um delírio de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Em vez de reconhecer que o identitarismo nasceu dentro das universidades progressistas, foi promovido por movimentos de esquerda e financiado por políticas estatais baseadas em engenharia social, ele tenta encaixá-lo na narrativa de que tudo é culpa do neoliberalismo. E como ele justifica essa maluquice? Com o argumento de que o neoliberalismo dissolveu laços sociais tradicionais e empurrou as pessoas para suas identidades tribais. Em outras palavras, a esquerda passou décadas promovendo a fragmentação social, mas quem deve responder pelo estrago são Hayek, Friedman, Thatcher e Reagan.

É um raciocínio tão brilhante quanto dizer que o aumento do desemprego se deve à falta de regulamentação do mercado de feitiçaria.

Se seguíssemos essa lógica, poderíamos afirmar que os sindicatos e o próprio marxismo são produtos do livre mercado, já que só puderam surgir em sociedades industrializadas. Ou que a Revolução Francesa foi um complô dos padeiros, pois começou com uma crise no preço do pão. Por que não culpar o liberalismo pelo bolsonarismo também? Já que estamos aqui, que tal dizer que foi Hayek quem inventou os “cringe” do TikTok?

Mas há um detalhe que o autor convenientemente ignora: o identitarismo sempre serviu à esquerda. A lógica de dividir para conquistar sempre foi a estratégia dos que desejam expandir o controle estatal. No início, era o velho conflito marxista de “trabalhadores contra patrões”. Mas a tese de luta de classes fracassou no Ocidente: os operários começaram a prosperar, queriam carros, casas, lazer, e passaram a votar na centro-direita. A esquerda precisava de um novo conflito. E assim, a luta de classes foi reciclada para algo mais atomizado: homens contra mulheres, negros contra brancos, gays contra heterossexuais, trans contra o binarismo opressor, gordos contra magros, e por aí vai.

Cada nova divisão cria um novo grupo ressentido, que vê na esquerda o único refúgio contra seus supostos opressores. Enquanto os liberais defendem a autonomia do indivíduo e a igualdade de direitos para todos, os identitários fazem exatamente o contrário: querem privilégios de grupo, querem leis especiais, querem tribunais de exceção, querem censura seletiva. Tudo isso só interessa a uma ideologia que não sobrevive sem conflito permanente.

E é aqui que a tese apresentada no artigo de opinião da Folha de S. Paulo cai em um paradoxo irreconciliável. Ao tentar argumentar que o identitarismo é um produto do neoliberalismo, o autor ignora o fato de que ele é a peça-chave do próprio domínio progressista sobre o debate público. O identitarismo não foi uma consequência acidental da dissolução dos laços sociais promovida pelo mercado – ele foi deliberadamente fomentado como ferramenta política. Se fosse realmente um efeito colateral do liberalismo econômico, como sugerido, os próprios agentes da esquerda estariam se voltando contra ele, e não o usando como ponta de lança para censurar adversários, silenciar opositores e remodelar a sociedade à sua imagem e semelhança.

Imagino a reação de Thatcher ao ouvir essa tese. Provavelmente ergueria uma sobrancelha e diria, com sua frieza britânica: What utter nonsense! Hayek, com a paciência dos grandes mestres, talvez tentasse corrigir a confusão, explicando que a ordem espontânea não significa baderna identitária. Reagan provavelmente riria e faria um de seus trocadilhos, dizendo que essa teoria merece o Trickle Down das ideias ruins. Friedman? Ah, esse apenas pediria mais dados antes de rebater com um gráfico e um sorriso sarcástico.

Mas, claro, a Folha cede espaço para essa tese ser tratada com toda a seriedade do mundo. Afinal, é assim que funciona o pensamento acadêmico brasileiro: quanto mais absurda a ideia, mais respeitável ela se torna. Como diria Brás Cubas, “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” No caso de Douglas Barros, nem as batatas.

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Leonardo Correa

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